Muito se fala a respeito desta filosofia. Muitas definições foram dadas, mas sempre temos a sensação de que alguma coisa fica faltando.O Yoga se recusa a ficar aprisionado numa definição. Estas quatro letras juntas significam muitas coisas, e a palavra acaba se tornando sempre mais do que as palavras podem dizer.
Todo mundo já ouviu dizer que Yoga significa em sânscrito união, mas também significa trabalho, aplicação. Esta filosofia de vida seria o meio e o fim ao mesmo tempo.
Desafortunadamente, nenhuma palavra foi tão profanada nos tempo modernos como a palavra Yoga. Andar sobre o fogo, tomar ácido lisérgico, parar o batimento cardíaco, etc. se consideram Yoga, quando, a bem da verdade, não têm nada a ver com ele. Mesmo os poderes psíquicos [siddhis] não são Yoga. Yoga é consciência; transformação da consciência humana em consciência divina.
Yoga também é liberdade. Libertar-se de condicionamentos e preconceitos em relação à palavra, por exemplo, poderia considerar-se uma forma de sádhana. As palavras não são nem boas nem ruins em si. Nós lhes damos valores e significados que associamos às nossas próprias emoções ou preconceitos. A perfeição, é um dos muitos produtos da capacidade de especulação da mente. Ou seja: não existe. Não é algo preexistente, nem uma verdade tautológica, daquelas que se sustentam por si próprias. A perfeição, diria, não é uma abstração etérica, inatingível, senão um modelo, um paradigma no qual nos espelhamos para transformar a própria existência numa obra de arte, algo digno de ser vivido. Perfeição significa arte de viver consciente. Nada mais.
Embora no início possa parecer difícil, ou incompreensível, chega uma hora em que a sua consciência se expande e você começa a entender. Nesse ponto, o Yoga não fica apenas no plano das idéias, nem se restringe unicamente à sala de prática. Com isso em mente, fazer Yoga é como um jogo que é preciso aprender a jogar desde o início. Um jogo que se joga tanto com a cabeça como com as vísceras. Mesmo se você não tiver nenhuma experiência com Yoga, saiba que suas atividades diárias, como trabalhar, criar os filhos ou estudar, também podem ser encaradas como um sádhana. É por isso que o Yoga é um jogo, cuja única regra é permanecer totalmente consciente o tempo todo, de cada ato, a cada momento.
A experiência é a única coisa que salva o yogi. Se você não fizer, não viver, não experimentar em sua própria carne, não sentir no mais íntimo do seu ser, não adianta ler, pesquisar ou ouvir palestras sobre o assunto. Aliás, o yogi precisa ser crítico. É uma das qualidades básicas para poder avançar na prática. A capacidade de observação, si próprio e do ambiente é essencial: estar sempre atento.
Talvez você possa achar, como muita gente, que o Yoga é algo separado de si próprio ou do seu dia a dia. Algo que você "faz", como ir às compras ou atender o telefone. Você precisa, não apenas fazer Yoga três ou quatro vezes por semana, senão viver em Yoga, 24 horas por dia, todos os dias da sua existência.
Por isso não convém dizer "eu faço Yoga", pois em verdade, você não "faz" Yoga. Ele já está feito! Você "desliza" para o estado de Yoga (união), em certos momentos. Por exemplo, quando consegue ficar totalmente consciente da sua respiração. E, se quiser transcender mesmo, chegar ao samádhi, deverá manter esse estado constantemente. A "prática", a técnica em si, funciona apenas como um catalisador que acelera este processo.
Isto tem a ver com você, com a sua existência, com o seu momento presente, com o ar que entra por suas narinas no mesmo instante em que você está aqui sentado lendo. Daí a intenção implícita no título deste livro, já que sádhana significa praticar, fazer a coisa. Se você não for usar o Yoga, para que vai querer estudá-lo? Isso eqüivaleria a contentar-se com ver um filme sobre uma linda praia, tendo a oportunidade de ir pessoalmente dar um mergulho nas águas transparentes, e depois deitar na areia morna, sentindo o sol na pele e bebendo uma água de coco sob uma palmeira. São coisas diferentes, concorda? A posição do observador (em sânscrito, sakshi, "testemunha") é fundamental para a prática, mas funciona unicamente desde que o observador seja parte ativa do processo, ou seja, observe, estude e analise, mas que o faça estando dentro da experiência.
Por isso, amigo leitor/navegante, convido você, antes de continuar esta leitura, a sentar bem confortável, com as costas eretas e os olhos fechados. Tome consciência da sua respiração e desfrute intensamente da certeza de estar vivo. Respire fundo, usando toda a extensão dos seus pulmões. Faça isto por pelo menos dez vezes, exalando devagar.
Se, após haver respirado conscientemente por alguns segundos, você tiver percebido alguma mudança no ritmo dos seus pensamentos ou emoções, você conseguiu praticar Yoga. Bem-vindo.
O Yoga funciona em todos os casos. Não é apenas para pessoas sadias ou apenas para doentes, para extrovertidos ou deprimidos. É para seres humanos. E, com isto não estou querendo convencer você, leitor, nem fazendo parte de um grupo de "escolhidos" que querem catequizar, "converter" os pobres mortais que não viram a luz e vivem nas trevas da ignorância e do pecado. Ou ainda, lhe dar a sensação de haver "encontrado a Verdade". Longe de mim essa intenção. Como praticante, sou mais um veículo, um instrumento através do qual o Yoga fala.
Como técnica, o Yoga não está preocupado com explicações. Isto pode resultar repetitivo, mas é tão simples quanto importante, e se impõe deixá-lo claro outra vez. O Yoga quer aniquilar os condicionamentos do indivíduo. Não se limita a nenhum plano teórico, nem quer a substituição do sistema de valores ou mitologias do "mundo ocidental e cristão" por outro exótico e alienígena, o que poderia parecer uma espécie de escapismo, de resposta desesperada de uma juventude que precisa achar a sua identidade e uma alternativa viável ao terrível vazio que a nossa fria sociedade tecnocrática oferece (e, no lugar de "fria", você pode colocar seus adjetivos preferidos).
Desde tempos imemoriais, há algo nesta praxis que sempre chamou a atenção. Algo pelo que, até hoje, reis abdicam do poder, para sentar-se num tapete igual ao que nós usamos neste momento para meditar. Por exemplo, sem ir mais longe, na cidade de Indore, a alguns kilômetros do Omanand Yogashram, lugar onde estudamos na Índia, algumas poucas gerações atrás, a família do marajá Holkar simplesmente abandonou tudo para dedicar-se ao Yoga.
Porque? Por causa daquele assunto velho como o mundo: a sede de poder. Porque o poder verdadeiro não está na prerrogativa de decidir o destino alheio. Da mesma forma, o poder que dá a política ou o dinheiro, ou qualquer outra manifestação dele com maiúscula ou minúscula em que você possa pensar, como um concerto de Wagner, uma pirâmide egípcia ou a montanha de dinheiro do tio Patinhas, são apenas símbolos de algo que está além, e que sempre, em todas as culturas, lugares e momentos da aventura humana, acabam aparecendo sob diferentes roupagens.
O que atrai as pessoas para o Yoga é justamente isso. Porque ele lida com o poder, com a energia, e isso fascina: todo mundo quer ter. Mas o poder verdadeiro, só vem com a iluminação. Porém, esse poder não pode obter-se apenas com alguns minutos de pránáyáma e alguns ásanas escolhidos aleatoriamente. Não é de graça. As práticas precisam fazer-se com dedicação e perseverança para revelarem seu efeito real.
E poder para quê? A própria palavra o diz: yuj, unir. Unir tudo: os poderes do corpo, a consciência e a ánima para alcançar o samádhi, a fusão entre o Ser e o Conhecer. "A unidade da respiração, a consciência e os sentidos, seguida pela aniquilação de todos os conceitos: isso é o Yoga." Maitrí Upanishad, VI:25.
Esclarecendo um pouco mais, para o Yoga, consciência não é apenas o conjunto das funções psicomentais ou suas manifestações separadas: pensamentos, emoções e sensações. Ela inclui essas funções mas, ao mesmo tempo, está separada delas e pode observar e ser observada isoladamente. Isto é importante para entendermos o papel fundamental que tem essa capacidade da consciência de permanecer como testemunha das suas próprias ações. A consciência é então o pano de fundo sobre o qual pensamentos, emoções e sensações se revelam: um campo vibratório sutil, que torna possíveis as associações e o pensamento, e observa o mundo e os fenômenos como eterna testemunha. Diz a Mundaka Upanishad:
Como dois pássaros dourados pousados no mesmo galho,
intimamente amigos, o ego e a Consciência habitam o mesmo corpo.
O primeiro ingere os frutos doces e azedos da árvore da vida;
o segundo tudo vê em seu distanciamento.
Os dois pássaros representam a consciência individual e a Consciência Universal. A consciência individual ofusca e esconde a Consciência Universal, que faz com que ela pense e perceba o mundo. A consciência é vasta e profunda como o oceano, e abrange todas as experiências e todas as memórias do indivíduo desde o início da existência.
Dizem os shastras que o caminho do Yoga começa "quando o homem consegue quebrar a prisão das suas misérias." O Yoga parte da condição humana desamparada, nua e crua, e tem o mérito sem par na história do pensamento de descobrir o verdadeiro potencial do homem: o da sua espiritualidade. A vida espiritual sempre começa no conflito interior, na sede de transcendência. E, neste kali yuga, a era dos conflitos, requer muita mais pureza de coração, coragem e determinação que em outro tempo qualquer. O caminho para o samádhi inclui mais lágrimas do que você possa imaginar ao pensar em iluminação. Descobrir, identificar e desintegrar o lixo enterrado no subconsciente, dói bastante. Mas não esqueça da constatação de Wayne Dyer: "não existe caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho". Este paradoxo entre lágrimas, lixo e felicidade, se resolve ao andar, na prática. Precisamos quebrar o casulo do ego para chegar à essência.
Os ensinamentos do Yoga são somente acessíveis através da praxis: o praticante deve pôr sob o jugo seu corpo, sua mente e sua psique, para alcançar a liberdade interior. Múltiplo em suas diferentes correntes e manifestações, ele é sempre fiel a um modo de ver o homem e de servi-lo: após a severidade e paciência exigidas pela prática, sente-se a calidez da sua solicitude carinhosa por todos e respeito por todo o criado. Seu caminho é radical mas acessível e nos leva à conquista da liberdade mais absoluta. Quando você dá um passo em direção ao Yoga, ele dá cem em direção a você.
Pedro Kumpfer
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