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TIC-TAC, TIC-TAC: O tempo na visão hindu

O dicionário nos diz sobre a palavra tempo: “duração relativa das coisas que cria no ser humano a idéia de presente, passado e futuro; período contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem”. A ideia que surge desta definição, característica de como o ocidente enxerga o tempo, é a de uma progressão linear. Essa visão é aplicada no estudo das cronologias históricas. O que veio antes, o que está acontecendo agora, e o que ainda não aconteceu, ocupam lugares contíguos ao longo de uma linha imaginária, nas páginas dos livros de história, geologia ou cosmologia. Aprendemos, dessa maneira, que o que já aconteceu não se repete, e que o que ainda não veio, nunca aconteceu antes.

No pensamento da Índia, assim como no de outras civilizações antigas, a ideia do tempo linear não existe. Ou existe, mas de outra maneira muito diferente: o tempo é cíclico, e se repete incessantemente. O que está acontecendo agora, já aconteceu antes. O que ainda virá, já aconteceu também no passado. O curioso, é que essa percepção do tempo como um ciclo infinito não é exclusiva dos indianos: para os alquimistas medievais da Europa, o Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda, é símbolo da eternidade. Essa serpente quebra a linearidade do tempo fechando-se sobre si própria. O círculo representa o eterno retorno, a renovação constante, o renascimento redentor. Essa imagem também nos leva a pensar no kalachakra, na roda do tempo da qual falam budistas e hindus.

 

O sono de Vishnu e os ciclos cósmicos.

Nos Puranas, antiqüíssimos textos que falam, dentre outros temas, sobre a origem do universo, o termo yoganidra (aliás, usado no Yoga para designar as técnicas de relaxamento), alude ao sono do deus Vishnu (nidra significa sono). Vishnu, como preservador da criação, descansa nas águas causais, deitado sobre a serpente de mil cabeças Anantasesha, a infinita. Ele dorme e sonha: durante seu sonho surge-lhe do umbigo uma flor de lótus, da qual emerge o deus Brahma para criar o mundo, dando início a um ciclo cósmico de quatro eras (mahayuga).

Na cosmogonia indiana, um yuga é uma idade ou era cósmica. A visão hindu do tempo como recurso para medir a eternidade é extraordinária e difícil de se conceber utilizando a ideia de tempo à qual estamos habituados. Uma era cósmica é um ciclo completo de nascimento, vida e destruição do Universo. As eras são quatro: krita (a da verdade, ou de ouro), treta (a da tríade, ou de prata), dvapara (a do par, ou de bronze) e kali (a do vício, ou de ferro).  O conjunto destes quatro ciclos é um mahayuga. Mil mahayugas constituem um kalpa ou um único dia na vida de Brahma. Brahma vive um mahakalpa (100 anos de 360 dias cósmicos, ou seja mais de 300 bilhões de anos terrestres), que é apenas um piscar de olhos de Vishnu! A morte de Brahma determina o mahapralaya, a reabsorção e dissolução do Universo, após a qual o ciclo recomeça.

Os nomes krita, treta, dvapara e kali referem-se ao chaturanga, um antigo jogo indiano de dados em que há quatro combinações possíveis dos dados, sendo satya a melhor e kali a menos boa. Nele, esse nos remete ao Mahalila, ao Grande Jogo Cósmico. Esse Grande Jogo é uma metáfora para refletirmos sobre a realidade como resultado da manifestação da Consciência Manifestada, Ishvara. Assim como as quatro estações se sucedem ao longo de um ano, da mesma maneira, as quatro grandes eras se repetem ao longo do tempo, reproduzindo uma estrutura fractal que é perceptível no infinitamente grande, no infinitamente pequeno, e no que há no meio.

 

O tempo cíclico, a Humanidade e a Natureza.

Assim como a serpente que morde a própria cauda, essa ideia do tempo como uma infindável sucessão de ciclos, nos convida para relativizar a condição humana e o nosso papel na criação. Diferentemente daquilo que poderíamos concluir olhando para o tempo linear, em que poderíamos colocar aqui no presente, e de maneira bastante confortável, a presença humana na criação, a visão do tempo cíclico nos convida a perceber a transitoriedade e fragilidade dessa presença. Conseqüentemente, nos traz de um lado uma sensação de maravilhamento perante a grandeza da criação e, de outro, uma necessária e saudável dose de humildade.

Acredito que uma parte dos problemas que a Humanidade enfrenta atualmente deva-se justamente à falta de humildade, àquela atitude de excesso que os gregos chamavam hybris. Esse termo significa em grego ”aquilo que passa da medida justa”. Presunção, arrogância e insolência em relação à natureza e às formas de vida não-humanas são manifestações de hybris. Isso, temperado pela ideia de que o homem ocuparia um lugar especial na criação, cujo corolário é que tudo na natureza existe para o nosso benefício e bel-prazer, nos levaram à situação crítica que estamos vivendo agora em relação ao meio-ambiente.

Em sua obra Estudo da História, o inesquecível historiador Arnold Toynbee enxerga, nessa atitude de arrogância extrema, uma possível causa do colapso das civilizações. O oposto desse excesso de hybris é sofrósina, que é prudência, parcimônia e bom-senso. Se essas virtudes fossem aplicadas, se tomássemos consciência da insignificância do bicho humano diante da grandeza do tempo e da natureza, deixaríamos de ver a nós mesmos como a cereja no bolo da criação.

Em sânscrito, tempo se diz kala. Mas, essa palavra também significa morte, fim, destruição. Esses termos, da mesma maneira, nos remetem à humildade e nos fazem repensar que, tal vez, o nosso papel na ordem universal não seja assim tão central e que, quem sabe, deveríamos enxergar com olhos mais respeitosos e compassivos as formas de vida não humanas e as demais manifestações da natureza. Pecebendo a dimensão abismal dos ciclos cósmicos, relativizamos aquilo que entendemos como a história linear, e nos tornamos assim capazes de viver o presente da melhor maneira. Namaste!


Números que medem o infinito

1 mahayuga = 1,55 bilhão de anos

1.000 mahayugas = 1 kalpa

1.000 kalpas = 1 mahakalpa

1 mahakalpa = 1 dia de Brahma

1 vida de Brahma = 100 anos ou 36.000 mahakalpas

1 mahakalpa = 311 quatrilhões de anos, que equivalem a um piscar de olhos de Vishnu!

 

FONTE: Pedro Kupfer para Yoga.Pro
 

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