A mídia tem concedido especial atenção, notadamente nos últimos meses, a artigos sobre a presença feminina nos conselhos de administração das empresas privadas. Em que pese o discurso da diversidade, da justiça social e do profissionalismo, pergunto-me se a comunidade corporativa não tenderá a manter o confortável “status quo” no qual a presença de mulheres naqueles colegiados tem evoluído de maneira bastante tímida. Talvez por comodidade, o conceito da diversidade, em especial a de gênero, ainda não foi suficientemente identificado e internalizado de modo a deflagrar a geração espontânea de demanda e movimentar esse mercado de trabalho bastante especializado.
Uma equipe multidisciplinar, multicultural e multirreligiosa imprime olhares não viciados em um único argumento. Na minha trajetória profissional sempre fui favorável a formar equipes nas quais as diferentes facetas de cada colaborador fossem capazes de criar um discurso de sucesso. Vaidades à parte, o importante é agregar valor para o empregador, e a diversidade pode muito bem servir a este propósito.
A chamada “sensibilidade feminina”, expressão que com frequência ouço e que é preconizada como importante vetor de um olhar diferente, acaba se transformando em discurso sexista, pois a diferença, ou a sensibilidade propriamente dita, reside em inúmeras outras combinações (acadêmicas, culturais, religiosas, sociais, políticas e até mesmo no próprio entrosamento dos neurônios...), e não apenas na diversidade do gênero.
A mulher passa a fazer parte do conceito de diversidade quando apresenta uma dessas facetas e não apenas pelo fato de ser mulher. A “sensibilidade feminina” não garante nenhum olhar vanguardista, tampouco deve servir de justificativa quando se prega a diversidade de gênero. Não é o sexo que imprime o comportamento.
A imposição de quotas talvez possa ser encarada como um movimento transgressor e temporário, no sentido de que servirá apenas para romper com um ciclo vicioso e oxigenar a composição de grupos que se organizam há anos sempre da mesma forma. Há os que dizem que a seleção prévia de um grupo já antecipa o preconceito e é um opressor da meritocracia e da igualdade, ao invés de defender a diversidade. Este ponto de vista talvez desconsidere importantes questões antropológicas, sociológicas e até mesmo mercadológicas.
O preconceito, se não transformado, continuará existindo, independentemente de qualquer ordem judicial ou legislativa que obrigue uma integração. O caso conhecido na história do direito civil como “Os Nove de Little Rock”, região sulista norte-americana de Arkansas, foi emblemático: a integração racial escolar já havia sido decidaanos antes quando apenas em 1957, em Little Rock, a classe média negra sulista, academicamente já muito qualificada, teve acesso à então maior e melhor escola de ensino médio. Agressões, ânimos inflamados e raiva marcaram o dia como trágico na história, porém foi capaz de começar a quebrar barreiras. Hoje, mais de 50 anos depois, o preconceito racial ainda não foi extirpado, mas o comando regulatório serviu para facilitar o acesso desse grupo a condições mais equânimes.
A teoria econômica de Keynes dizia que o mercado não deve ser relegado às próprias forças e necessita de um comando regulatório para que se mantenha organizado, saudável e longevo. Da mesma forma pode ser encarada a questão das quotas: não como um retrocesso, em uma época em que se comemora o voto feminino (por sinal conquistado por decreto presidencial assinado por Getúlio Vargas em 1932), ou como uma forma de erradicar o preconceito, mas como modelo de organização societária quando a autoconscientização das novas demandas da sociedade e do mercado tardam a aflorar. Às vezes é mais difícil reconhecermos do que precisamos até que alguém nos diga o que é.
Não há solução fácil. O discurso ideológico contrário à imposição de quotas para mulheres nos Conselhos talvez esteja se esquecendo da vida como ela é. As mulheres sentem que devemtrabalhar mais, que devem apresentar argumentos sempre mais afiados e inteligentes, que devem ser mais rápidas, que devem ser melhores a cada dia, mantendo a competitividade em um nível apenas aparentemente saudável. Estes são fatos da vida e não um discurso vazio. Da mesma forma que o preconceito e aresistência o são; especialmente em um ambiente ainda bastante conservador, na sua maioria, como os Conselhos tradicionais.
Desenvolvi minha carreira em um mundopredominantemente masculino e agressivo; galguei postos importantes e cheguei à Diretoria, participando de reuniões executivas nas quais a presença feminina era pífia; não tive regalias na ascensão.
Obviamente sou a favor da meritocracia e do reconhecimento, mas pergunto-me se não é este apenas um discurso politicamente conveniente e se, na verdade, deveríamos reconhecer que, da mesma forma que o Estado, os Conselhos necessitam agora de uma intervenção pontual para se modernizarem; e não apenas com relação à presença feminina...
Obrigado! Seu comentário foi enviado
Oops! Algo de errado aconteceu ao enviar seu comentário :(