Você se desfaria de um joelho apenas por ter lesionado os meniscos ou perdido os ligamentos cruzados? O joelho é uma articulação essencial, mesmo que o mau uso tenha limitado seus movimentos. Ninguém pensa em amputar as pernas só porque elas estão doendo ou não são mais funcionais.
Cada parte do corpomente tem sua importância. Não obstante, ouvimos muitos praticantes de Yoga dizer que é preciso vencer o ego, ou anulá-lo, por ele lhes parecer a causa de suas aparentes limitações. De fato, um ego fora do controle é capaz de causar mais dor do que um joelho enfraquecido. Acontece que descartar o ego não é uma opção, já que ele faz parte da ordem psíquica que somos.
O ego é parte integrante do corpomente, tanto quanto os joelhos ou o cérebro. Assim como não devemos exigir das articulações mais do que elas nos podem dar, tampouco deveríamos exigir demasiado do ego, já que também ele possui suas limitações. Da mesma forma que o joelho está presente onde está por uma razão óbvia de locomoção e sustentação; o ego está presente no anta?kar??a, só que por um motivo menos óbvio para nós.
Anta?kar??a significa, literalmente, órgão ou instrumento interno. Esse termo sânscrito é usado para identificar o composto mente-ego-inteligência, que constitui o psiquismo. Por sua vez, esse composto atua como um elo entre os karmendriyas, órgãos de ação e os jñanendriyas, órgãos de percepção, já que, com base na interpretação do que foi percebido pelos sentidos, o psiquismo decide se e como vai agir no mundo.
Diz a Ka?ha Upani?ad: O ego bebe as águas doces e amargas, desfrutando das doces, rejeitando as amargas. O Ser bebe as águas doces e amargas, sem desfrutá-las nem rejeitá-las. O ego afunda nas trevas, enquanto que o Ser mergulha na luz. (I:3.1)
A persistente implicância com o ego se deve a uma incompreensão acerca de seu papel e também a uma confusão sobre como podemos nos vincular com ele. O ego busca o prazer, as águas doces, e, quanto a isso, não há conflito. Já quando chega o momento das marés amargas, naturalmente, rejeitamo-las. Esse é o papel do ego em nosso psiquismo: julgar o que é bom e o que é ruim para si.
Se nos condicionarmos aos julgamentos do ego quanto ao que é percebido do mundo exterior, nossas ações serão no sentido de só buscar o que é considerado bom, sentindo aversão pelos resultados diferentes daquilo que desejamos. Acabamos, assim, presos ao mundo material, em sucessivos – e inevitáveis – ciclos de prazer e sofrimento, já que colocamos os objetos de desejo no altar da mente.
A saída para esta aparente dicotomia, de que fala a Upani?ad, entre o ego que desce às trevas e o Ser, feito de luz, é compreender que nossa realidade última é o Ser, que preenche tanto o ego quanto o mundo físico. E, se o ego sente desejos e cria condicionamentos, devemos nos empenhar em um re-condicionamento dele, para que busquemos o autoconhecimento – Brahmavidy?.
O hábito, ou condicionamento, nos amarra. Se deixamos este instrumento interno, que é nossa psique, solto para seguir qualquer caminho, ele seguirá o mesmo caminho de sempre. Com a prática do Yoga, com a atenção à prática inerente e com a atitude interna correta de compreensão sobre minha real natureza, torno-me capaz de disciplinar o ego e a mente na direção certa – e nem preciso tentar vencê-los!
Para finalizar, citemos mais uma vez a Ka?ha Upani?ad: Aquele que tiver discernimento, mente disciplinada e pureza interior, alcançará a meta e nunca mais irá sofrer nas garras da morte (I:3.2). Com o esforço na prática, aprimoramos nosso discernimento e desenvolvemos disciplina e clareza de percepção. E um ego disciplinado e lúcido é capaz de discernir não só a melhor atitude com que agir no mundo, mas também a meta – mok?a – que nos liberta do sofrimento pelos desejos e aversões.
Fonte: Julia Rebuzzi para Yoga.pro
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