Os familiares disseram já estar à espera do desenlace. Quem sabe, suspirando com o fim da exposição na mídia, que constrói e devora seus deuses com igual sofreguidão, lucrando nas duas pontas. A impressão é de que, em certo momento, a notícia da miséria vende mais que o sucesso - e o problema naturalmente não está em quem vende.
Há certa morbidez no acompanhamento que fazemos das agonias alheias - base dos circos romanos - dando-lhe força pela pressão do mental coletivo. A magia obscura que a mídia prolifera é somente um prolongamento das nossas expectativas.
Em outro sentido, a valorização que a mídia coloca no ídolo dá aos seus adoradores um sentimento de transferência de poder, centuplicado pelo estranho ardor das massas. A mídia, porém não se engana na adulação que faz. Se para as pessoas aquela imagem é uma projeção de aspirações, uma fantasia de poder, para seus promotores nunca deixa de ser a mina de ouro fabricada por eles mesmos e alimentada por nós.
Uma seqüência de fotos, desde os tempos saudáveis, mostra a transfiguração da jovem no corpo e no comportamento. De certa forma, uma radiografia da alma. Como não aprender com essa obstinada lição de dor?
Mas realmente não aprendemos. Em razão de nosso aprisionamento na rede mental, a experiência e sofrimento alheios são sempre alheios. No exemplo dos santos e sábios a questão se repete: apesar de inspiradora, a lição é incomunicável. Por isso nem o sangue de Jesus pode nos salvar. Cada um salva a si mesmo - não como proeza do ego, mas do Cristo Interno - no que está implícito auxiliar o processo dos outros. No caminho em direção ao Ser, nada substitui a sabatina de agonias e glórias da experiência individual (facilitada no Caminho do Coração, que tem cumplicidade com o Eterno).
Agonias - bem mais que glórias - não é bem esse retrato daquela menina? Para a escritora Marianne Williamson, que viveu o mesmo drama e descobriu a luz no ventre da escuridão, trata-se, porém, de um retrato mais abrangente, algo que cada um de nós pode ter visto ou vivido nos últimos tempos. Ela o classifica como problema de uma geração ("Um Retorno ao Amor", Editora: Novo Paradigma).
"Muitos de nós sabemos que temos tudo o que é necessário - o visual, a educação, o talento, as credenciais. Mas em certas áreas estamos paralisados. E não estamos sendo barrados por algo externo, mas por algo interno. Nossa repressão é interior. O governo não nos reprime, nem a fome, nem a pobreza. Não temos medo de sermos enviados à Sibéria. Simplesmente temos medo, ponto. Nosso temor vai e vem como as ondas. Temos medo de que este não seja o relacionamento ideal ou de que seja. Temos medo de que não gostem de nós ou de que gostem. Temos medo do fracasso ou do sucesso. Temos medo de morrer jovens ou de envelhecer. Temos mais medo da vida do que da morte" diz Marianne. Sem dúvida, a jovem e frágil Winehouse desistiu da vida, mostrando em plena luz do dia as narinas entupidas do pó branco.
A astrologia mostra um efeito paradoxal no mapa de pessoas com muitos aspectos favoráveis: ausência de entusiasmo para conquistas. Na perspectiva do ego - que não sabe amar - a busca da felicidade se baseia em obter coisas. Se não há esse desafio nem se sabe com certeza a razão de estar aqui, por que estar aqui? Os sensíveis acham a resposta mais depressa, tanto a certa quanto a errada. A errada às vezes como alternativa para o desafio inverso: falta de tudo, talvez pelo abuso em outras vidas.
Marianne achou a resposta certa no único lugar possível: Deus. Fora dele, sobra a falsa autonomia do intelecto, cuja habilidade se limita ao controle das coisas (ferindo a si mesmo e aos outros quando inclui pessoas). Órfão do coração e perdido no labirinto do pensamento, o ego pode optar pelo "barato" que consome o corpo, imitando o escorpião. E assim - adiando as lições imortais da vida - picar a si mesmo.
Fonte: Walter da Silva Barbosa é professor, economista, membro do Conselho Nacional da Sociedade Teosófica e diretor da Associação Educacional Annie Besant, em Campo Grande - MS
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