Segundo o Dicionário Aurélio, "coincidência" é a identidade ou igualdade de duas ou mais coisas; simultaneidade de dois ou mais acontecimentos. A sincronicidade, um termo introduzido por Jung, descreve um fenômeno idêntico ao da "coincidência", mas significa a "simultaneidade de dois ou mais acontecimentos" identificados entre si por um mesmo significado, uma mesma idéia.
Quando acontece uma sincronicidade, a pessoa que a presenciou é afetada emocionalmente. Um sonho que prevê um acontecimento que acaba ocorrendo, por exemplo, é uma forma de sincronicidade. O sonho e o acontecimento são fatos que ocorrem num certo período de tempo e que estão relacionados por um significado pertencente a ambos. Esse sonhador fica surpreso, ou até fortemente abalado emocionalmente, conforme o caso, quando seu sonho se realiza. Os dois termos, portanto, não se baseiam em crença alguma, mas descrevem fenômenos comuns a todas as pessoas, embora, no caso da sincronicidade, o fenômeno não tenha sido provado, testado e repetido em laboratórios, isto é, tido como científico pelas ciências exatas. Porém, sabemos que nem tudo é passível de reprodução em laboratório, principalmente coisas que estão ligadas diretamente à psiquê humana.
Mas esse breve ensaio não se destina a provar a existência da sincronicidade. Também não é o caso aqui de se acreditar que isso exista. As idéias aqui expostas dirigem-se àqueles que de alguma forma já vivenciaram as coincidências significativas ou àqueles que estejam abertos à consideração da existência do fato. Porque o que sempre é questionado por quem passa ou já passou por isso é: "O que quer dizer isso? Por que isso acontece comigo? Você já passou por essa experiência?". Para que servem as coincidências?
A civilização ocidental tem toda uma história de ênfase no ponto de vista causal. O enunciado de que "tudo tem uma causa" é o principal dogma científico de uma religião que imperou por muito tempo nos bancos acadêmicos - o materialismo, cujo principal deus é a matéria. Julga-se que não seja encoberto a todos o longo conflito que se seguiu durante séculos entre a religião e a ciência. São dois campos que a princípio não se conciliam de jeito nenhum, mas que tem muita coisa em comum, entre elas o fanatismo por supostas verdades ainda não experienciadas em toda sua extensão. Não se está aqui contradizendo o causalismo como princípio, mas como extensivo a todos os fenômenos existentes no universo. Também não se está afirmando que "Deus não existe", por exemplo, mas que sua existência não depende de debate de idéias. Tudo o que fica apenas no nível das idéias é suscetível de dúvida. Para muitas pessoas a espiritualidade vêm de um conhecimento direto que não depende de suposições e especulações.
No entanto, ao lado do causalismo científico ocidental, desenvolviam-se várias outras civilizações cuja principal preocupação não era o pensamento lógico linear, mas o sentimento de sincronia dos significados. Assim como a "causalidade descreve a seqüência dos acontecimentos, a sincronicidade, para a mente chinesa, lida com a coincidência de eventos" . Quer dizer, todo o pensamento científico se baseou no ponto de vista da seqüência dos fatos. Mas será um erro ocupar-se também com a simultaneidade dos acontecimentos? Não se fará assim muito mais justiça à totalidade dos fenômenos? Porque, afinal, estamos falando aqui dos critérios que selecionam nossas experiências (coisa bem discutível) e não dos fatos em si.
Quando acontece uma sincronicidade não demoram aparecer pessoas, sobretudo tidas como "cultas", para dizer que isso não passou de mera coincidência, e achar que há algum significado oculto nisso é persistir em superstições sem fundamento. Mas não é preciso ser um psicólogo para saber que até as mais bestas superstições têm sim um fundamento, um por quê, um significado.
Marion R. Gallbach, psicóloga cujo livro "Aprendendo com os sonhos" foi lançado recentemente pela editora Paulus, cita um trecho de Jung que vem bem a calhar aqui:
O lago é um símbolo do inconsciente. (...) Porque quando você tenta olhar no inconsciente, você não vê nada, você só vê seu ego, nada mais. Por ser escuro embaixo e claro em cima, você só vê a si mesmo. Mas você sabe que milhares de coisas estão afundadas lá... monstros, a noite eterna..., o mundo de nossos ancestrais, até o nosso mundo de criança ainda se encontra nestas profundezas (...). Podemos assumir que todo um mundo está naufragado no fundo do mar - como Atlantis - e não vemos nada a não ser nosso próprio reflexo refletido naquela superfície brilhante"(Jung, 1930, p. 20).
Isto é, quando olhamos para algo que desconhecemos tendemos a ver nele a nossa própria imagem, as nossas concepções, as estruturas de pensamento com que procuramos abarcar o mundo. Tudo, menos a coisa em si. E é isto que muitos de nós fazemos com as coincidências com que nos deparamos no dia a dia. Mas tudo indica que elas são feitas, ou se originam, do mesmo material com que lida a psicologia: o inconsciente - o mundo dos anseios reprimidos, dos fatos esquecidos, das emoções e dos pensamentos arcaicos, dos mitos, das fábulas e das lendas... A existência da sincronicidade parece nos querer lembrar que os acontecimentos exteriores não são tão exteriores assim, ou que eles têm no mínimo uma ligação oculta com nossa subjetividade, ou com "a Subjetividade" - o Inconsciente Coletivo, a psique objetiva para os junguianos. As coincidências parecem-nos indicar algum caminho, daí de novo a pergunta: "Para que as coincidências?". Parece haver algo no ar, algo impalpável, mas que procura se materializar através de relações estranhas. A sincronicidade "traz o foco da atenção para os processos intencionais e não intencionais, para o que está acontecendo e para o que está buscando acontecer" . "Parece que cada pessoa atrai dois tipos de acontecimentos: aqueles em que ela acredita e aqueles que ela teme. Mas faz isso inconscientemente. (...) creio que podemos conseguir muita coisa quando trazemos o processo para um nível plenamente consciente" , diz James Redfield. Vamos agora, com alguns exemplos de sincronicidade, procurar perceber para onde aponta esse processo misterioso.
Um amigo tenta resolver um conflito íntimo: é casado e tem um caso com outra mulher na cidade que mora hoje em dia. Há mais de quatro anos conhecera uma mulher no norte do país, mas deu graças a Deus por ter deixado aquela região por encargos profissionais. Sente-se culpado, atualmente, principalmente por causa do filho, por trair a esposa. Os sonhos apontam para conflitos mal resolvidos na juventude, para lembranças soterradas na memória e para sua falta de autoconfiança. Um dia lhe contaram que uma mulher, dizendo-se proveniente da região amazônica, lhe ligara, querendo falar-lhe pessoalmente. O que a dita mulher, residente a mais de 5.000 Km, distante no tempo há mais de 4 anos, poderia querer com ele? Mas tudo indica que não passou de um trote. Depois ele contou ter descoberto que a mulher que ele realmente amava havia sido deixada no norte. Ela era para ele como uma alma gêmea. Trote ou não, o fato é que o trote foi muito significativo por tratar de algo que ele estava tentando resolver justamente agora, embora o fizesse reportar-se há mais de quatro anos no tempo. A "brincadeira de mau gosto" parecia afirmar: "Olha, você esqueceu disso. Atente para isso agora pois é importante que você o faça neste momento".
Jung conta um caso relatado por Wilhelm von Scholz (que recolhera uma série de casos de objetos perdidos que retornam estranhamente às mãos dos donos) de uma mulher que mandou revelar um filme em Estrasburgo...
Mas como havia estourado a guerra (1914), ela não pôde mais reaver o filme, e o considerou perdido. Em 1916 comprou um filme em Frankfurt para bater a fotografia de uma filhinha que nascera nesse meio tempo. Quando o filme foi revelado, verificou-se que tinha sido usado duas vezes: a segunda imagem era a fotografia do filhinho, que ela tirara em 1914! O antigo filme não fora revelado, e não se sabe como fora posto de novo à venda entre novos filmes. O autor chega à conclusão, em si compreensível, de que todos os indícios apontam para uma "força de atração" destes objetos relacionados. Ele suspeita que os acontecimentos se dispuseram de tal modo, como se fossem o sonho de uma "consciência maior e mais abrangente, por nós desconhecida".
Quem tem experiência em trabalho com sonhos sabe o quanto as imagens oníricas estão relacionadas entre si revelando múltiplos significados e unindo vários fatos de nossa vida exterior e interior. Além disso, esse tipo de atividade acaba geralmente ativando acontecimentos que têm muito a ver com o significado ou com a imagem do sonho em si. Numa palavra, é como se nossos sonhos não estivessem contidos apenas naquele pequeno período que passamos a sonhar, mas, como um peixe escorregadio, escapasse daquela breve ocasião para materializar-se no nosso cotidiano, no nosso tão bem conhecido mundo exterior. Uma série de livros de Arnold Mindell trata do chamado corpo onírico, um conceito que trata das sincronicidades, dos relacionamentos e dos sintomas corporais como sonhos que tentam acontecer. Num desses livros encontra-se uma bela experiência:
Quando Esther e eu começamos a conversar, ela pôs a mão na parte de trás da cabeça e me disse que tivera dificuldade para dormir na noite anterior por causa de dores "pressionantes" no pescoço, que atingiam em pontadas a região dos rins. Repetiu várias vezes o movimento das mãos. Por isso, decidi repeti-los conscientemente com ela. Disse-lhe: "Gostaria de pôr minha mão em suas costas, ou no pescoço, onde você sentir que é mais apropriado". Ao proceder dessa forma, eu estava me valendo de sua sabedoria corporal, de sua propriocepção, para dirigir minha mão a fazer coisas que a mão dela estava tentando executar. Assim que pus minha mão em suas costas, ela me disse que a pusesse no pescoço. Perguntei o quanto deveria pressionar. Ela me pediu uma pressão cada vez maior, até que eu estava praticamente empurrando-a contra o chão e aplicando muita pressão em sua nuca.
Assim que sua cabeça tocou o chão, ela comentou espontaneamente que eu estava agindo como uma das figuras de seu sonho, um demônio que a lançava para dentro de um buraco. Assim que teve a nítida visualização do demônio pressionando-a para baixo, assim que seu canal tinha mudado da pressão para a imagem onírica, ela trocou de papéis e me mostrou como o demônio a empurrava contra o chão. Depois de alguns minutos, o "demônio" falou sem hesitação: "Ou você me leva com você quando sair, ou vai ter que ficar no buraco". Isso revelou que ela estava aprendendo a ser mais instintiva e honesta em público. Geralmente, era doce demais, ou omissa. Por isso, pedi-lhe que atentasse para o trabalho com seu corpo onírico exatamente naquele momento, em minha presença, e que fosse diabolicamente honesta comigo a respeito do que gostava e do que não gostava. Essa etapa depois passou para o canal do relacionamento.
Vemos no trabalho citado um aspecto interessante do comportamento corporal. Sua dor nas costas e os movimentos de suas mãos eram reações de raiva contra si mesma por não ser honesta, por ser doce demais. A dor nas costas era como um sonho, um diabo, que tentava atingir a consciência para lhe dizer que fosse mais direta. Podemos dizer que seu corpo estava sonhando por meio da dor nas costas.
Assim, os acontecimentos da vida, os entraves nos nossos relacionamentos, as doenças, os sonhos, e até uma folha que cai lá fora, num certo momento, parecem fazer parte de um processo abrangente. É como se isso fosse a metáfora de um holograma. Quando tiramos uma pequena parte de uma estrutura holográfica e usamos a luz para projetá-la, veremos o holograma na sua totalidade e não apenas aquela parte da figura. Parece que o todo está nas partes assim como as partes compõem o todo.
Por esse paradigma, por exemplo, seria perfeitamente plausível dizer que não são as substâncias sutis depositadas na nossa corrente sangüínea que provocam certas emoções, como pretendem explicar certos cientistas. Não existe uma prova da ligação de causa e efeito nesse caso. O que existe, sim, é uma correlação do aumento daquela substância no sangue com o advento de determinadas emoções. Este é o fato. Digamos que, quando influenciamos um processo material no nosso corpo, ocorre uma alteração correspondente a nível psíquico, que nada prova ser uma relação linear tipo causa-efeito. E nesse exemplo se encontra a resposta à proposta deste artigo. As coincidências significativas podem servir como pistas para certos processos que estão acontecendo. Atentando para determinado processo poderemos ter uma noção da ação mais apropriada para o momento.
Para isso serve o I Ching, oráculo chinês milenar, que pretende revelar o significado do processo em andamento. As moedas que caem para revelar o hexagrama do momento - o qual possui um texto respectivo - o fazem de acordo com as circunstâncias atuais. O destino, então, passa a ser algo relativo. Isso explica porque muitas pessoas concordam enquanto outras se opõem a essa noção. Se estamos cientes do que está tentando acontecer, podemos usar de nossa vontade para dirigir o processo da melhor forma. Se, no entanto, somos ignorantes de todas essas inter-relações, a vida fica parecendo mais como um fardo que temos que carregar, sem saber porque nem para que - um destino insuportável. Aqui, importar-se com o que ou quem está por trás dos bastidores não é o mais importante, embora isso possa atuar como um catalisador religioso. Bastará nos perguntarmos o que está tentando acontecer, e agir de acordo, para dinamizarmos e muito nossas vidas. Então, seremos muito mais pacientes não por um mero conformismo, mas por termos uma noção do sentido da existência. Ou seremos mais atuantes, não por porque pretendemos nos guiar por nossa própria vontade, mas porque sabemos qual o significado dessa vontade no contexto em questão. Nesse caso poderemos nos sentir plenamente realizados.
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