Muitas pessoas se lançam à prática sem haver preparado o alicerce que fará com que possam efetivamente aproveitar as técnicas. Elas podem por momentos achar que fizeram grandes progressos mas na verdade pode acontecer que nem sequer tenham conseguido se preparar para começar.
Imagine a chegada no samádhi como a tarefa de construir uma casa. A iluminação aconteceria quando, construído o alicerce, levantadas as paredes e o teto, você entra na casa já pronta e liga o disjuntor da rede elétrica. Algumas pessoas começam alegremente a construir as paredes esquecendo que elas se sustentam pelo alicerce.
Sem as preparações preliminares, sem a ética (yama e niyama), sem a purificação do corpo e do pensamento (kriyá, bhúta shuddhi, chitta shuddhi e alimentação correta), sem exercício adequado (ásana e pránáyáma), não pode haver progresso no sádhana. Sobre esse alicerce se elevam as paredes: a discriminação entre o eterno e o perecedouro (viveka), o desapego do fruto das ações (vairágya) e o desejo de libertação (mumukshutva).
Depois, vem o telhado: controle dos órgãos sensoriais e motores (shama e dhama), cessação das ações desnecessárias (uparati), paciência (titiksha), concentração (samadhana) e fé (shraddha). Se você nem sequer pensou nessas coisas ao fazer um balanço da sua prática, é bem provável que não esteja ainda preparado para ir além das práticas introdutórias. Quando não há nada disto, diz David Frawley que a única resposta possível àquela pergunta 'quem sou eu?' é 'o mesmo idiota de sempre'.
A competência para atingir a iluminação se chama em sânscrito adhikara e se consegue pela purificação do corpo e da mente. Essa competência não deve subestimar-se. Não adianta apenas querer. É essencial estar preparado, da mesma forma que não qualquer surfista pode surfar as maiores ondas do planeta. Aqueles que não estiverem física e psicologicamente preparados, os que não tiverem a habilidade técnica, a resistência, a experiência e o sangue frio necessários, correm o sério risco de morrerem afogados. Às vezes confundimos a possibilidade de fazer alguma coisa, com a habilidade necessária para fazer essa coisa.
A competência e a purificação corpo/mente de que falamos antes pode comparar-se com a preparação pela qual o surfista precisa passar antes de ousar surfar ondas que poderiam matá-lo. Yoga é um caminho para a libertação. A verdadeira dimensão desse caminho só pode vislumbrar-se com a prática constante. Quanto mais você sabe, mais você é consciente da sua ignorância e do que há para se conhecer. As práticas mais simples, com ásana e respiratórios são benéficas para todos mas têm pouco a ver com o que há no final do caminho. Entretanto, até mesmo na prática de ásana ou pránáyáma há perigos: quem se machucou na primeira tentativa de fazer uma invertida sobre a cabeça sabe disso.
Quanto mais o praticante avança no sádhana, mais aumenta a auto-exigência. O Yoga é para todos, mas, a partir de um certo ponto, são poucos os que seguem mesmo além. Um ditado hindu diz: o verdadeiro heroísmo está em conquistar sua própria natureza (svabhavo vijayati iti shauryam). Por isso a tradição yôguica dá tanta ênfase às técnicas preliminares, da mesma forma que se recomenda aprender a nadar antes de aprender a surfar. Não importa onde você está, senão para onde está indo. Para saber exatamente onde estamos no sádhana, basta olhar para as nossas atitudes no dia a dia. Somos capazes de controlar os pensamentos indesejáveis? Conseguimos concentrar-nos no que fazemos? Conseguimos controlar as emoções negativas ou somos controlados por elas? As nossas debilidades são mais fortes que nós?
Para saber onde estamos exatamente na prática, Shivananda propõe acompanhar o nosso sádhana cotidiano levando um registro num diário. Esse diário de sádhana não deve servir apenas para anotar os respiratórios, ou sobre o que meditamos e durante quanto tempo, mas também deve incluir as nossas atitudes do dia a dia: as mais e as menos felizes. Desta forma você se dá a chance de acompanhar a sua evolução ao longo do tempo.
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