Uma das mais populares manifestações religiosas do calendário festivo do Brasil, as Festas Juninas trazem no bojo de suas celebrações elementos oriundos de diversas culturas. Por trás do verniz cristão e sua associação com os santos católicos homenageados, o folclore e os temas de fundo das Festas Juninas remetem às tradições espirituais pré-cristãs da Europa e também da América do Sul. A contribuição mais visível vem dos antigos festivais sazonais da Europa pagã. Tendo em mente que a palavra pagão vem do vocábulo latino pagus, ou seja: o campo, a natureza, é fácil perceber porque a espiritualidade pagã pré-cristã possui uma forte ligação com o mundo natural e seus ciclos.
Originários do clima temperado da Europa, os ritos e costumes dos europeus pré-cristãos estavam associados às estações do ano.
O mês de junho no Hemisfério Norte assiste à chegada do verão no dia mais longo do ano; o Solstício de Verão.
É um período no qual as terras européias vicejam banhadas pelo sol. Plantas, animais e demais criaturas atravessam nesta época seu período de maior fertilidade e este era o tema central das festividades juninas.
Fragmentos das tradições de povos europeus como os celtas e os germânicos, preservadas no folclore e nos costumes das culturas modernas, oferecem uma boa imagem dos antigos festivais anteriores ao cristianismo.
Envolvendo toda a comunidade agrícola ao redor da necessidade de se compreender a dinâmica da Natureza da qual ainda fazemos parte, mesmo vivendo em metrópoles -, nossos ancestrais europeus desfrutavam do apogeu da vida no verão através de rituais que garantissem a fertilidade da terra e das criaturas para que a
produção de alimentos; grãos, frutos e gado fossem suficientes para sustentar a todos nos meses frios do inverno por chegar. Nessa temática, somos capazes de identificar diversos elementos pré-cristãos que
sobrevivem ainda hoje nas festas juninas.
Comecemos pela fogueira. Não existe festa junina de verdade sem uma boa fogueira. Mesmo hoje, em ambientes onde não seja possível acender uma, temos pelo menos uma representação; uma pilha de lenha
não acesa, ou mesmo fogo artificial; de celofane. O fogo é um elemento sagrado em praticamente todas as religiões; das mais antigas, como a espiritualidade persa, às mais novas, como o cristianismo. Para os celtas, o verão era os domínios do deus Bel/Belenos, e seu nome pode ser encontrado no nome do festival celta de verão; Beltaine, ou fogo de Bel. Os druidas celtas acendiam suas fogueiras para atrair os poderes protetivos e transformadores do sol do verão, governados por Bel. Mesmo tendo sido deslocada do mês original de maio
para junho, a fogueira das festas juninas é um eco distante dessas celebrações ancestrais.
Ao redor da fogueira, os participantes das festas juninas costumam dançar cirandas e danças de roda; herança direta das antigas danças circulares sagradas de diversos povos antigos. O círculo é a imagem perfeita da ciclicidade do tempo, sem começo nem fim, como a eterna sucessão das estações do ano. Ao dançar em círculo ao redor das fogueiras, os antigos europeus harmonizavam-se com os ritmos da Natureza em que viviam.
Como o tema central das festas juninas tem origem na Europa, é evidente que esteja alinhado ao clima de lá e não do Hemisfério Sul, onde as estações são invertidas (prova da longevidade dos costumes europeus é a ceia de natal, com alimentos típicos do inverno europeu; castanhas, frutas secas e carne suína). Quando da colonização européia da América do Sul por europeus, muitos desses temas e costumes migraram para cá no bojo das celebrações cristãs, adaptando-se e mesclando-se às tradições locais.
Outro costume bastante curioso das festas juninas é o pau-de-sebo, aquele mastro ainda muito popular nas quermesses do interior, na ponta do qual é posicionado um ícone de Santo Antônio e as prendas. No interior da Inglaterra e da Irlanda (terras originalmente celtas) e também da Alemanha (terras originalmente germânicas), temos celebrações semelhantes, conhecidas em inglês como Maypole (mastro de maio), ao redor do qual dançam jovens de ambos os sexos, rapazes num sentido e garotas no oposto. A conotação original sensualmente erótica dessa tradição atualmente recatada é evidente pela complementarão da dança entre os sexos, ao redor de um símbolo fálico (o mastro) que representa o princípio masculino fértil da Natureza. No pau-de-sebo esse mesmo tema é complementado pela sacralidade do rito de fertilidade atestada pela figura de Santo Antônio no topo do mastro.
Santo Antônio, aliás, é um tema que por si só merece uma análise especial neste contexto. Tido como o padroeiro dos casamentos e amores, Santo Antônio desempenha dentro do cristianismo o papel que
anteriormente cabia a deuses como Eros na Grécia, Angus entre os celtas e Vênus em Roma; todos deuses do amor e da sensualidade, a quem os povos da Antigüidade recorriam com preces, orações e oferendas em tudo semelhantes às que os fiéis de hoje fazem ao santo católico.
Obviamente, o componente mais erótico dos mitos desses deuses antigos foi adequado à nova ética cristã, mais pudica. Para os povos antigos, o amor e a sensualidade não eram pecados, mas sim um dom divino que era celebrado ao redor das fogueiras. Afinal, é o amor que nutre a alma dos humanos, assim como a terra fértil nutre seus corpos.
Claudio Quintino é coordenador da Hera Mágica Cultural e autor de "O Livro da Mitologia Celta"
E-mail: [email protected]
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