Tem novata no spinning*
Ela chega para sua primeira aula, ansiosa, pesada e impaciente: ouviu dizer que o spinning emagrece e veio provar do milagre: quer perder rapidamente os muitos quilos a mais que carrega, acumulados em outros tantos anos de vida. A novata escolhe na sala ainda vazia uma bicicleta ao meu lado; ajusta o assento, coloca no suporte a infalível garrafinha de água, me pergunta se já estou há muito tempo com aquele professor e começa a me copiar os movimentos, poluíndo a vizinhança com o perfume forte que escolheu para sua manhã de estréia na academia. Quero ajudá-la e, procurando respirar sem inalar seu aroma intoxicante, tento fazê-la compreender que a concentração na aula é a condição primordial do sucesso: não posso trocar idéias enquanto me exercito.
Nos intervalos da música, no entanto, percebo que ela não bebe a água caprichosamente acondicionada na garrafinha "fashion"; preocupada, abro um parêntesis na concentração, para advertí-la de que é preciso beber água e manter-se hidratada durante a aula. Ela prossegue, resfolegando, tentando seguir meu passo, árduamente conquistado em dois anos de treinamento; dois terços da aula se passaram e nada da novata beber água. Alerto para o perigo de um mal estar súbito e até mesmo um problema no coração por causa da falta de hidratação: ela afirma, mentindo (até pra si própria), que já bebeu água e que não vai lhe acontecer nada. A aula termina e eu pergunto qual é o objetivo dela na prática de spinning, já antecipando a resposta; digo a ela que beber água é a regra básica para o emagrecimento, e fora da aula é preciso beber no mínimo tres litros ao longo do dia. Ela responde, meio mal humorada, que bebe "muita" água, mas não quer especificar o significado de "muita". Imagino que da mesma forma como bebe "muita" água, ela acredita que não come "nada". Imediatamente a novata me dá as costas e já não quer me fazer perguntas ou ouvir os conselhos que pediu durante a aula.
Uma receita de fracasso
Reconheço nesta moça o comportamento teimoso, obsessivo e iludido de grande parte das pessoas que pretendem emagrecer numa academia de ginástica. Já passei por isso, e consegui chegar do lado de cá da fronteira, pesquisando, aceitando com humildade as orientações dos mestres de valor reconhecido, e destilando minhas ilusões, desconfortos e medos em textos publicáveis: hoje em dia sou saudável no corpo e na alma, mantenho a forma física, o equilíbrio emocional e a tranquilidade espiritual. Malhar, suar, passar fome e sugar energia das "estrelas" da academia são os ingredientes mais comuns da rotina diária de quem quer emagrecer sem se transformar: são também receita inevitável de fracasso. Não considero o desejo de emagrecer rapidamente um objetivo válido; o que devemos buscar é uma mudança de hábitos definitiva, um reconhecimento do ponto de equilíbrio do corpo através da eliminação de vícios alimentares e de comportamento.
Construindo o sucesso passo a passo
Para construir uma boa base, começamos por evitar o stress e curar as emoções doentes; é, sim, um processo doloroso e prolongado, mas os resultados são garantidos. Sem uma base emocional estável até podemos perder alguns quilos, para recuperá-los em seguida enriquecidos de mais alguns. Observo aqui um erro comum no caminho de quem busca a transformação: as terapias e workshops que tratam as emoções costumam deixar o corpo de lado; muitos terapeutas holísticos desprezam o treinamento físico e nos convidam a "aceitar" o corpo, como se este fosse uma carga inevitável, e não uma fonte ilimitada de prazer, alegria e energia. Já a prática nas academias coloca seu foco míope na vaidade, na aparência física e na construção de músculos, esquecendo que este corpo é um instrumento na orquestra da mente, executando a música da alma. Para obter sucesso no processo de mudança é preciso reconhecer no ser humano um organismo integral, um veículo vivo de energia vibrante.
A sabedoria da tartaruga
Planejar a longo prazo, para quem se vê acossado pelo desconforto do excesso de peso e das dores emocionais, é uma tarefa difícil, na fronteira do impossível. A tartaruga é, neste processo, a mais sábia das mestras, trilhando a maratona da vida num passinho depois do outro e carregando consigo a morada. Somos a morada exclusiva e única de nossa essência, e para onde vamos, nossa casa vai acoplada; não há como eliminar etapas no caminho do crescimento, e a harmonia do corpo e da mente nada mais é que o resultado de uma maturidade bem construida. O que sei hoje, aprendi na dolorosa escola da minha própria experiência, onde a pressa de crescer ( e emagrecer) fermentou o atraso dos resultados. Por trinta e tres anos a frustração e a inadequação cozinharam o bolo solado que a impaciência me condenou a comer; adolescente gordinha, fui acumulando nas couraças corporais, já carregadas de dor emocional, uma sucessão de dietas malucas mal sucedidas. No dia do primeiro casamento, consegui uma volátil cinturinha de vespa para enfeitar a noiva; já o segundo marido, impiedoso (e exagerado), condenou a esposa à celulite aguda.
O túnel do tempo sempre acaba em luz
Ignorando toda impaciência e ansiedade, o tempo passou com seu ritmo próprio; às vezes gorda, às vezes nem tanto, fui mergulhando cada vez mais fundo no inconsciente, larva corajosa, muitas vezes perdida e sufocada no casulo. Um dia, acordei borboleta e o passado virou livro. A crescente saude da alma atingiu o nível em que me permiti adotar o caminho certo em direção à saude do corpo: quando fui finalmente capaz, consegui eliminar da rotina diária os hábitos e padrões que me faziam mal. Não faço "dieta": alimento meu corpo com o que lhe dá prazer, e nessa rotina de prazer, mais que chocolate ao leite, destacam-se o bem estar, a disposição e a imagem cotidiana no espelho. Não "malho" na academia: exercito meu corpo e dou a ele a dosagem correta de movimento para a qual foi projetado.
Aos meus leitores faço um apelo: não percam as esperanças ao ler este relato. Ele termina com um conselho infalível, um começo auspicioso na direção de um resultado brilhante; receito aos iniciantes (e aos veteranos também) um remédio abundante e grátis - guardado na garrafinha fashion esquecida pela caloura de spinning -, uma chave mestra para abrir o cofre da boa forma física e mental na busca da excelência energética:
Beba muita água!
* Noga Lubicz
Escritora, pesquisadora de energia vibracional, designer de jóias energéticas e chefe de cozinha evolucionária, autora do livro "Fases da Lua", ED. Madras.
www.nogalubicz.cjb.net
e-mail [email protected]
*spinning é uma técnica de treinamento ciclístico em bicicleta estacionária, desenvolvido pelo ciclista americano Johnny G., reproduzindo os desafios do mountain bike.
Obrigado! Seu comentário foi enviado
Oops! Algo de errado aconteceu ao enviar seu comentário :(