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As duas moscas: Uma lição de condicionamentos

Existe uma palavra que é muito importante na compreensão da filosofia hindu: upadhi. Ela pode ser traduzida por condicionamento. Sabe aquela história do gato escaldado que tem medo até de água fria, pois bem, esse gato vive em um mundo de condicionamentos, ele está preso ao passado, dominado por fantasmas.

Sábio é aquele que vive no presente pois ele tem consciência que o passado já foi, que o futuro virá a ser e somente o presente é. Portanto, ele vive em um estado de total liberdade e espontaneidade pois está livre das experiências passadas e das expectativas futuras.

Muitos de nós vivem hoje pelo que viveram ontem. É uma atitude de proteção. Não que as experiências passadas devam ser negligenciadas, não é isso. É que não devemos ser governados por elas. Espontaneidade. Total espontaneidade.
Vocês conhecem a história das duas moscas?

Contam que certa vez duas moscas caíram num copo de leite. A primeira era forte e valente, assim logo ao cair nadou até a borda do copo, mas como a superfície era muito lisa e ela tinha suas asas molhadas, não conseguiu sair. Acreditando que não havia saída, a mosca desanimou, parou de nadar e de se debater e afundou.
Sua companheira de infortúnio, apesar de não ser tão forte era tenaz,
continuou a se debater a se debater e a se debater por tanto tempo, que, aos poucos o leite ao seu redor, com toda aquela agitação, foi se transformando e formou um pequeno nódulo de manteiga, onde a mosca conseguiu, com muito esforço, subir e dali levantar vôo para algum lugar seguro.

Tempos depois esta mesma mosca, por descuido ou acidente (só mesmo Freud para explicar!), novamente caiu em um copo. Como já havia aprendido em sua experiência anterior, começou a se debater, na esperança de que, no devido tempo, se salvaria. Outra mosca, passando por ali e vendo a aflição da companheira de espécie, pousou na beira do copo e ritou: 'tem um canudo ali, nade até lá e suba pelo canudo'. A mosca tenaz não lhe deu ouvidos, baseando-se na sua experiência anterior de sucesso, continuou a se debater e a se debater, até que, exausta afundou no copo cheio ... de água.

O que nos salvou anteriormente pode nos matar dessa vez. Condicionamentos.
Os condicionamentos estão presentes na teoria freudiana. Se alguém tem uma experiência traumática e passa a tentar revivê-la para modificá-la, isto é condicionamento.

As couraças reichianas também se baseiam nesse pressuposto. De tanto uma situação traumática ocorrer com alguém, de tanto sentir dor, o movimento defensivo se cronifica, a musculatura se contrai de maneira permanente e a respiração se encurta na inspiração e se passa a viver a partir daquele ponto de vista, com aquele fantasma vivo e preso no corpo.

Por exemplo, se não fui amado por meus pais, ou melhor, se registrei uma falta de amor por parte deles, certamente terei problemas de insegurança e auto-afirmação, com dificuldades para viver sobre minhas próprias pernas. A psicologia ocidental falará na questão do continente (ground). Dakshina Tantra descreverá esse caso como sendo de hipoenergização do Muladhara Chakra, o chakra raiz. Em ambos os casos a ênfase está nas pernas e a cura virá com o relaxamento da musculatura dessa região de tal maneira que a energia possa fluir livremente por lá (descarga orgástica), ou melhor, através dela para o chão.

Percebam que o problema não está na contração muscular. Ela é um mecanismo legítimo de defesa do ego. Se nos protegemos, é porque essa reação foi necessária naquele momento de nossas vidas. A questão está na cronificação dessa contração. Podemos e devemos nos defender. A neurose reside em vivermos defendidos, imersos em um estado de medo e insegurança.

Cabe também o questionamento: por que um determinado padrão de comportamento ou fatos ou pessoas é tão presente em minha vida? É claro que, se isso ocorre, é um processo inteiramente inconsciente. Temos aí pistas para uma boa investigação de nossa psique, um prato cheio para um processo analítico.

Pergunta: é possível viver nesse paraíso de liberdade, espontaneidade e tranqüilidade nas cidades? Como conviver com assaltos, assassinatos,
seqüestros, miséria, fome, inflação, arrocho salarial, carga de trabalho
desumana, desemprego e todas as outras mazelas da vida urbana? Bem, existem correntes da psicologia que dizem que todo ser urbano é neurótico. Do ponto de vista do Tantra Yoga, não buscamos viver em um paraíso fora da terra, algo morto ou onde todos são meio imbecis. Muito pelo contrário. O paraíso é aqui na terra, neste exato instante, com todos esses problemas. O segredo está na espontaneidade. Não há regras nem receitas de bolo. O que não quer dizer que você vá se expor ao perigo. É preciso estar alerta, atento.

No Tantra Yoga, com a energização dos chakras principais e secundários e da purificação das nadis, os dutos sutis, a energia passará a fluir livremente pelo corpo e naturalmente todas as amarras que nos prendiam ao passado serão rompidas, todos os fantasmas serão expulsos, todas as sujeiras serão varridas e você terá total liberdade para decidir verdadeiramente. Discernimento no lugar de condicionamento.

Paulo Murilo conta a seguinte história que ouviu do Swami Dattatreya: lá na Índia é hábito as famílias darem aos mendigos os restos de cada refeição.
Não se requenta para o jantar o que sobrou do almoço. Preparam-se outros pratos. Pois bem, um homem que foi mendigo muitos anos de sua vida e que recebera uma herança que o tornara milionário de uma hora para outra, estava caminhando por uma rua quando viu um aglomerado de pessoas. Ele ficou curioso para saber o que estava acontecendo e viu que se tratava de distribuição de alimentos.

Instintivamente ele estendeu a mão para pegar um pouco de comida. Aí todo mundo olhou para ele pois o que estava fazendo ali um homem rico, bem vestido, cheio de anéis nos dedos? Mais ainda, aquele lugar era o fundo de sua casa e eram seus os empregados que estavam distribuindo os restos. Neste instante o homem tomou consciência que não era mais mendigo.

Somos milionários pensando ser mendigos. Estamos apegados ao nosso passado de miséria - que, por sinal, nunca existiu. Quando é que vamos parar de esmolar nos fundos de nossa própria casa?

Assim, sendo uma mosca mais espiritualizada, você saberá exatamente o que fazer quando estiver presa no leite ou na água.

Por Alexandre Perlingeiro - formado em Hatha Yoga
E-mail: [email protected]

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