Em muitos aspectos, o ser humano é um animal parecido com seus parentes mamíferos. Dispomos, porém, de um cérebro excepcional, que ainda entendemos muito pouco e do qual não sabemos aproveitar senão uma pequena parcela. A vida social, necessária à sobrevivência da espécie, nos levou a desenvolver a linguagem e o pensamento lógico.
Criamos regras capazes de fazer a vida em grupo menos tensa e mais harmoniosa. No entanto, muitas dessas regras implicaram proibições às tendências naturais do animal que somos. Ou seja, nossa razão teve que agir no sentido de dosmesticar o mamífero humano. Somos ao mesmo tempo o domador e o domado!
Parece bastante evidente que o processo de domesticação não fez desaparecer totalmente as tendências que queremos suprimir. Elas ficaram abafadas, reprimidas. De certa forma, buscaram um caminho para poder se exercer. Surgiram as regras, as proibições. E surgiu imediatamente o uso da inteligência no sentido de buscar formas possíveis de tentar transgredir as regras que o próprio grupo construiu.
Algumas pessoas são mais dóceis e aceitam melhor os limites que lhes são impostos. Estas talvez apenas busquem realizar seus anseios reprimidos por meio de sonhos e devaneios. Outras tentam burlar as regras na prática, toleram menos a frustração de desejos que não podem se realizar. Tornam-se as pessoas moralmente menos justas, especialmente quando agem de uma forma diferente do comportamento que pregam.
É óbvio que nossa maior frustração ligada à vida social tem a ver com o instinto sexual. Todo tipo de vida grupal organizada impõe severos limites ao exercício desse forte desejo animal, intenso tanto no homem como na mulher. Isso é uma coisa absolutamente necessária para a estabilidade da família.
Os homens, a quem cabia a tarefa de trazer o alimento para casa, tinha que ter garantias de paternidade - ou seja, suas esposas só podiam ter vida sexual exclusivamente com eles e eles só podiam ter outras mulheres se transgredissem as regras do grupo. Sabemos também que as transgressões masculinas quase sempre foram vistas com mais condescendência do que as femininas.
Às mulheres se tratou de associar o sexo ao amor. Isso numa fase posterior da vida social, em que esta emoção passou a ter importância crescente. Trata-se de um condicionamento cultural e não de uma característica da biologia feminina. O interesse por experiências sexuais indiscriminadas é parte da natureza da fêmea de nossa espécie. Mas muitas não chegam a experimentar tais desejos nem fantasias, tal a repressão a que estiveram sujeitas.
Muitas nem sequer gostam de se enfeitar muito, pois isso desperta mais o desejo dos homens. Mas esta não é a regra. O prazer erótico de se exibir e despertar desejo de muitos homens costuma ser o único tipo de excitação sexual a que a maior parte das mulheres se permite - afora, é claro, a vida sexual com os parceiros com os quais elas estão comprometidas numa relação socialmente aceita.
A prática sexual fora do limite de uma relação amorosa é um comportamento inaceitável para a maioria das mulheres. A proibição vence o desejo. Em algumas desaparecem até as fantasias. Em outras sobra apenas a fantasia de experiências eróticas mais livres - ou mais promíscuas, como costumamos dizer. A ideia de promiscuidade nos provoca dupla sensação: uma de repulsa, em virtude das normas que aprendemos, e outra de fascínio, em virtude do mamífero desregrado que existe dentro de todos nós.
Acredito que se possa generalizar a questão da seguinte forma: tudo o que foi proibido representa uma tendência da nossa natureza que teve que ser reprimida em nome de um objetivo maior. Tudo o que é proibido é, pois, fascinante e tentador. Não há fascínio pela proibição em si, mas pelo que não se pode exercer. Nossa parte domada nunca se rendeu totalmente ao domador.
Por Flávio Gikovate – psicoterapeuta
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