Ao longo das minhas inúmeras viagens, graças a uma das muitas profissões que exerço ao mesmo tempo, vi e compreendi que a vida jamais foi fácil para nenhum ser humano, mas que é "bonita, é bonita e é bonita". A diferença reside, só e unicamente, na decisão pessoal de tomar um rumo na vida, disposto a parar, refletir e mudar de rota quando houver uma confusão mental entre amor e dor. É preciso considerar os fatores sócio-culturais e religiosos de cada povo e até de cada pessoa. Dependendo disso, a vida pode ser leve ou pesada, fácil ou difícil e por conta disso a libertação emocional recebe os adereços do amor ou da dor, de acordo com a leitura dada por cada um a sua própria história. Nascer em um país como o Brasil já é um merecimento e um empurrão do Universo porque há aqui dificuldades menores e transponíveis com o trabalho decisivo. Falo pela experiência vivenciada, comparada ao que vejo aqui com a mistura de raças, credos, crenças e culturas. O Universo tem usado a conspiração mágica e dentro dessa demonstração de amor incondicional tem dado a chance a muitos que aqui nascer e conviver com a suavidade da vida sem os acréscimos ecológicos, sociais, culturais que a maioria dos povos tem que conviver. Mesmo assim, não é para sambar o tempo inteiro. A construção do amor pela vida, por si mesmo, é um trabalho lento, duradouro e constante, onde a dor pode ser um coadjuvante persistente mas desnecessário, mesmo assim capaz de deixar fluir lições, aprendizados, entendimentos, clareza e lucidez. Tomar a vida nas mãos e vivenciá-la a ponto de aprender a lidar com o amor sem dor é um desafio que dá certo - quando se quer.
Pensando assim, parei em frente à televisão para ver, com outros olhos, o desfile das escolas de samba. Coloquei toda a minha defesa de lado, inclusive a de não conseguir gostar de sambas-enredo, e deixei a tela girar. Os amigos da Fraternidade do Triângulo e da Cruz, uma ramificação da Fraternidade Branca Universal, têm dito através do médium Roger Bottini Paranhos, autor de "Sob o signo de aquário" e "A história de um anjo", que o carnaval, símbolo da alegria e da libertação corpórea, cria problemas e alimenta outros, de forma que inúmeros servidores da luz param suas atividades diuturnas para o trabalho voluntário nessa época de festas de rua. Pelo enredo, fantasias e alegorias das escolas-de-samba a gente pode ver o tom da influência espiritual, boa e nefasta, sobre as comunidades. Reflete-se também o desenvolvimento social do povo brasileiro, como a utilização de material reciclado na convecção do material utilizado por escolas-de-samba, e aí é um show.
Por outro lado, quem já viveu fora do país sabe o quanto o preconceito social, racial e religioso chegam à intolerância na maioria dos países. Na Passarela do Samba, vi porta-bandeira de origem oriental com mestre-de-honra de origem africana! São Francisco ao lado de mulheres seminuas; Kuan Yin ao lado de figuras cadavéricas, monstruosas (muitas cobras); crianças e velhos lado a lado. Espiritualmente sabe-se que muitas entidades aproveitam a energia densa e baixa do sensualismo do carnaval - juntamente com as drogas, álcool, fumo etc. -- para baixar, obsedar, desfrutar, sugar, vampirizar. Alguns desses novos contratos podem levar o ano inteiro ou a vida inteira para serem limpos.
Foi interessante ver a luta de carnavalescos contra árvores da rua do Sambódromo, as quais não queriam deixar passar carros alegóricos que homenageavam o fogo, nem o carro da águia, símbolo incorporado por militares em guerra, que se veste de destruição. Vi muitos passistas e organizadores usando óculos escuros em plena noite. Que olhos escondiam? Por que a luz incomoda tanto? Uma das escolas tinha um dos carros puxado por um único homem - a opção do sofrimento e da dor, misturada ao ego e a carência de ser visto de qualquer forma, embora a sua própria forma seja suada, difícil, enquanto a multidão canta, dança e aproveita dos prazeres do corpo -- também imprescindíveis, mas não necessariamente sofridos e ligados à dor. Aliás, o carnaval das escolas virou símbolo de civilizações sob a escuridão e sofrimento: Grécia, Egito e seus escravos; Roma e seus gladiadores e matadores de cristãos. Os personagens voltam à cena da vida como se dela jamais tivessem saído! Se fantasias são intenções, como a espiritualidade entende isso? Deve ser muito complicado para um espírito ver tanto sorriso e gesto de amor dentro de uma veste de gladiador romano e lembrar que foi morto em uma masmorra romana!
Em palestra no Instituto de Medicina Oriental de Itajaí, o Dr. Byung Il Lee citou um cantor sertanejo que morreu e pergunta de que e como ele morreu. Isso me faz voar e fazer uma relação imediata de astros e estrelas que adoece e morrerem sem saber que a principal causa do adoecimento e conseqüente morte foi a própria maneira de viver - que é inseparável do pensar. Cantar a amargura, viver de alimentar a amargura, mesmo com objetivos financeiros, acaba impregnando o espírito e com isso todo o sistema energético-imunológico, os centros de força da alma porque o sistema celular trabalha com aquilo que falamos e pensamos. As células são feitas e programadas para repetir sem julgamentos. Para mostrar esse envolvimento celular que às vezes atrapalha o pensamento, o raciocínio, fiz uma experiência com alguns clientes envolvidos com maconha. Passei o óleo essencial de alecrim pimenta na parte externa da ponta das narinas e fiz perguntas de cunho lógico para que respondessem rapidamente. A grande maioria não conseguiu.
Acostumadas a trabalhar com o relacionamento intenso com a maconha, que bloqueia e paralisa, as células dessas pessoas voltaram toda a atenção para o alecrim pimenta. O óleo infiltra-se nas células do nariz e caminha na direção dos olhos. Produz um frescor intenso e rápido e assim elas não conseguiam pensar e responder às simples perguntas. Os olhos tendem a fechar, caem lágrimas, e as mãos querem interromper o processo provocado pelo óleo. O óleo naturalmente provocaria a mesma reação em pessoas não-viciadas, mas agora as viciadas tinham como analisar e comparar o que ocorre com o cérebro e o mental quando fumam. Valeria a pena trocar a lucidez pela dor? Qual o preço futuro?
Por falar em preço futuro, uma das cenas que mais me impressionaram com a leitura de "Sob o signo de aquários" foi aquela na qual a equipe de mentores vai até a fronteira entre o Estado do Acre e Peru para resgatar um líder guerreiro indígena Wayná, que viveu entre 1440 e 1470, "subjugando e anexando tribos opositoras". Ele queimava vivo os homens das tribos derrotadas e as mulheres eram obrigadas a trabalhar como escravas e prostitutas. Pelo livro, mais de quinhentos anos depois, o guerreiro arde em chamas no umbral, próximo onde morreu. Seu corpo é descrito como uma vítima da terrível doença degenerativa chamada Fogo Selvagem. O médium diz que ao se aproximar do corpo vê lavaredas como as de um vulcão e por uma delas é atingido a ponto de ter que voltar ao corpo carnal e precisar de assistência para se livrar do trauma. É a dor atuando onde não houve amor. É a materialização do sofrimento, do ódio, do ego doentio e criminoso. O que fará a memória da maconha no corpo espiritual do usuário morto? Se esse índio fosse cristão diria que estava vivenciando o fogo do inferno. É a lei da ação e reação que traduzindo seria: cada um é o próprio juiz eterno. O velho índio teve a última chance na peneira que a espiritualidade está fazendo com vistas às alterações programadas para a Terra até 2012. Essa peneira está sendo rodada aqui e agora, em todos os lugares. Quem ainda não notou que os dias estão mais curtos? Mal lavamos as panelas do Natal e já passou o carnaval! Cada vez mais temos menos tempo para tudo...
Na vivência diária do consultório, o amor e dor são enredos a todo instante. Uma cliente marcou consulta para a mãe, de 82 anos. Para evitar surpresas desagradáveis, pedi para falar com a interessada e perguntar se confirmava a consulta. Ouvi um sim cansado e rouco. Já com dificuldade de andar, Maria sentou-se quieta e desconfiada em seu vestido florido. A pele ressecada, manchada, com veias que saltam são o retrato do sofrimento e a marca incessante do relógio da vida. Longe da filha, passamos momentos de silêncio enquanto trocamos olhares. Aos poucos, lágrimas correm por aquela face vivida. Sem que percebesse, aproveitei o momento para rezar mentalmente. Assim passamos todo o tempo da primeira sessão. Na segunda, Maria conseguiu falar como uma metralhadora. Contou a sua história desde os 13 anos, quando a mãe saiu de casa. Casamento arranjado, sem amor, o pai tinha fama de "homem fraco e havia boatos de que era pederasta" (homossexual). Confessa que nunca viu nada, mas teve de assumir os quatro irmãos e a "vergonha da família" depois que a mãe saiu de casa e foi morar com "outro homem, macho". Embora diga que nunca viu nada, ela se refere ao pai com desprezo.
Maria criou todos os irmãos e já casada ainda atuava como mãe sobre o irmão casula, "que nasceu com a miséria de papai" (homossexual). O casamento naturalmente não deu certo porque ela "dividia a vida entre a preocupação com os irmãos e os filhos, um atrás do outro" (teve dois filhos, mortos, no período de 12 meses). O marido, "botava comida em casa e ia para as farras". Com o tempo teve que desenvolver atividades financeiras domésticas para "equilibrar as necessidades". Isso fez com que a cena do sofrimento da sua própria família se repetisse infinitamente. O marido acabou indo morar com outra mulher com quem estabeleceu nova família. Os filhos, "criados na escola e no trabalho", herdaram a "dureza da vida" e as lástimas da mãe. Aos poucos, "todos saíram de casa menos o mais novo, que herdou a miséria de papai". Aos 82 anos, inteligente e de raciocínio rápido, Maria continua presa à dor e é incapaz de expressar uma frase sem a amargura das palavras, sempre cheias de adjetivos pouco qualificativos. Ao se referir à filha que a trouxe para a consulta, contra a aprovação do próprio marido, chama-a de "Essa Aí". Poucas foram as minhas perguntas a essa cliente porque a sua história não deixa dúvida sobre os resultados esperados dentro da programação celular. Numa das sessões perguntei se ela estaria disposta a contar a mesma história suavizando os adjetivos e a resposta foi: não, nem quando morrer! Ao responder e encarar os meus olhos, faço um esforço para não lacrimejar diante do que vejo: um ser humano que arde o seu próprio fogo, como o velho índio, e deixa que as lavaredas queimem a quem escutar. As vezes não sei se ela fala o que sente ou o que deseja que pense que ela sinta, como que quisesse dar uma definição própria do que acha que é a vida ou se, ainda, desejasse provar que amor e dor fossem a mesma coisa, já que "a justiça de Deus não chegou pra mim".
Como seriam, na Avenida do Samba, as fantasias que representassem um possível enredo da vida de Maria, que não encontrou outro sentido na vida a não ser criar filhos, seus ou dos outros, sem amor? É capaz de lembrar de detalhes da dor de todos os partos, mas é incapaz de se referir a um filho com doçura. E o velho índio, que matou os seus com a crueldade dos espanhóis católicos e colonizadores que mataram índios em nome de Jesus?
Sei o que a natureza faz ao poupar cada homem da dor do parto, mas também sei que isso deixa muito macho enciumado porque compreende que a fêmea tem um quê a mais neste sentido. Fica muito claro para mim que essa tentativa incubada de compensação da natureza deixa tudo no zero quando prega o livre arbítrio para todos. O homem não pare mas é de sua responsabilidade o equilíbrio da mãe Terra. A dor talvez seja uma alegoria, uma fantasia em que você representa e veste o personagem sem a necessidade de sê-lo, de incorporá-lo de verdade e para sempre. Uma vez vestido, incorporado o suficiente para vivenciar e aprender, é preciso ter força e desejo de despi-lo quando o tempo de execução estiver esgotado pelo regulamento - sem ódio, rancor, raiva ou desespero.
O que aconteceria se as pessoas saíssem da Avenida do Samba e fossem para casa vestidas de fantasias? Como seria vivenciar uma baiana, saída do bloco da escola, entrar em um ônibus lotado a caminho de casa? Como seria a experiência de uma mulher vestida de vento em um supermercado? A dor é como garrafas, bananas, tapiocas e camisinhas sujas sendo balançadas no mesmo saco, apontado para uma leiteira vazia. Optar pela dor é uma escolha fácil, que pode ser para sempre. Encarar a vida com amor não é fácil, mas é também uma escolha que pode abrir janelas para a eternidade, aqui, agora e do outro lado da vida. Não misture nunca porque são sentimentos incompatíveis mesmo na hora do parto. Antigamente as parteiras mal informadas aconselhavam as parturientes a chamar palavrões para "diminuir a dor". Essa prática felizmente é hoje considerada ecologicamente incorreta porque o ser que está para nascer está se lançando à vida em um ato de amor, trazendo consigo toda a sua história e na bagagem a esperança de dias melhores e felizes. Quem gostaria de ser tratado diferente? Quem, no fundo da alma, não deseja amar e ser amado? Não é que seja uma ameaça, mas na simplicidade da manifestação dos seres de luz, todos dizem que, na Terra, quem não se redimir pelo amor haverá de assim chegar pela dor. Estamos aqui falando do ser total: físico, mental, emocional e espiritual. Não há meio termo: ou você entra em um time ou em outro porque o relógio não pára.
Quando comecei a escrever este texto, a minha secretária serviu-me um delicioso suco de acerola com maracujá, frescos. Tomei calado e depois perguntei: para que serve a acerola? Para acelerar. E para que serve o maracujá? Para acalmar. Se juntar a calma com a agitação dá em quê no meu estômago? Mas não são frutas cítricas? Sim, são, mas a natureza criou cada uma com uma polaridade! Sabe qual é o resultado do suco de acerola com maracujá? Gases, gases e gases! Sei que a intenção dela foi amorosa, mas de intenção o inferno está cheio, diz o ditado, mas não contei a ela. Nos dias de hoje não podemos ter só a intenção. Temos que pensar, refletir e averiguar o conteúdo dela. Nunca uma geração foi tão obrigada de adquirir conhecimentos como a nossa. É preciso investir no amor e com ele superar os efeitos da dor, quando houver, até extingui-los. Lembrei agora de outro personagem no programa "Big Brother", um bonito rapaz, orgulhoso de ser médico cirurgião e militar, que ao longo do tempo em que esteve internado na casa televisiva repetia sempre: "quanto mais conheço os homens mais gosto dos meus cachorros". O povo retirou, pelo voto, o rapaz da casa e, mesmo assim, quando saía dela ele repetiu a mesma frase. Fiquei pensando nos pacientes daquele médico e tive arrepios. Raiva, ódio e instrumentos cirúrgicos são incompatíveis e a grande maioria dos médicos felizmente sabe tanto quanto sabe que uma simples palavra ou um gesto de amor pode ser um diferencial positivo em momentos de dor. Se você confunde isso, está na hora de procurar ajuda antes que seja tarde demais para reprogramar as suas células.
José Joacir dos Santos é psicossomatista, fitoterapeuta e terapeuta oriental.
E-mail: [email protected]
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