Linha é tênue, mas namoro não é união estável, segundo especialista jurídico
"Casais pularam etapas para morar junto na pandemia, agora não sabem nem ao menos definir o status de seu relacionamento", diz advogado de Direito de Família
A necessidade de isolamento social durante a pandemia trouxe um desafio a mais no quesito comportamento social. Muitos relacionamentos pularam etapas subitamente até atingir aquele que seria o ápice do compromisso mútuo: a coabitação. Com isso, veio à tona o debate sobre as diferenças entre a união estável e o namoro. “Advogados na área de Direito de Família têm sido procurados por clientes que não sabem nem ao menos definir o status de seu relacionamento. A preocupação, em geral, é com os efeitos jurídicos da relação cujos contornos são nebulosos, e o cliente traz, como resposta mágica para suas perguntas, a ideia de um “contrato de namoro”, explica o especialista Gabriel Seijo, sócio em Planejamento Patrimonial e Sucessório do Cescon Barrieu.
A questão inspira cautela, pois a união estável é uma entidade familiar de fato. Juridicamente, há reiteradas decisões validando e reforçando o caráter real da união estável. Nesse sentido, basta o vínculo afetivo e a existência de fato para que sejam consideradas as normas constitucionais e legais a esse respeito.
“Uma vez estabelecida a união estável, os efeitos jurídicos decorrem da própria legislação em vigor. Na maioria das vezes, às partes cabe apenas regulamentar as questões patrimoniais com efeitos futuros, por escritura pública de união estável, sob pena de, na sua falta, ser aplicada a comunhão parcial de bens”, explica o advogado.
Porém, nem toda relação afetiva é uma união estável. O Código Civil definiu os requisitos da união estável: convivência pública, continuidade, durabilidade e objetivo de constituir família, independente de certidão de casamento. Se a união estável é o casamento no mundo dos fatos, é preciso considerar que o casamento é casamento independentemente de período mínimo ou de os cônjuges residirem sob o mesmo teto.
Quanto ao período mínimo, juridicamente já foi exigida a convivência mínima, mas essa condição foi revogada com a lei de 1996. E, alguns anos depois, o Código Civil de 2002, que regula a união estável atualmente, manteve essa linha. Com isso, atualmente essa é uma cláusula aberta, a ser preenchida no caso concreto, quando e se a questão bater às portas do Judiciário.
Já a vivência sob o mesmo teto não é exigida como requisito da união estável. “É indiscutível que não há, no casamento, por exemplo, divórcio apenas porque um dos cônjuges foi transferido para trabalhar em outra cidade”, explica Seijo.
O fenômeno comportamental pandêmico contribuiu para o debate que ganhou corpo após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em que houve a equiparação dos efeitos da união estável aos do casamento. Antes era possível excluir qualquer direito do companheiro, pela adoção da separação convencional de bens em escritura pública de união estável e pela exclusão do direito de herança do companheiro por testamento.
Com a equiparação da união estável ao casamento, isso não é mais possível, porque o direito sucessório do companheiro não pode mais ser afastado e eventual reconhecimento de união estável não formalizada importa direito de meação e de herança aos conviventes.
Nesse contexto, passaram a ser cogitados os “contratos de namoro”. Neles as partes declaram que não desejam constituir família. Embora o namoro não tenha repercussões jurídicas, a zona nebulosa existente entre alguns namoros e uniões estáveis gera preocupação, o que torna recomendável, em muitos casos, a elaboração dos contratos de namoro.
Segundo o advogado, a linha entre o namoro e a união estável é, muitas vezes, extremamente tênue. “É recomendável que um profissional especializado seja consultado para verificar o caso e propor a solução jurídica mais adequada para fazer valer a vontade do casal e proteger os interesses de ambos”, conclui Seijo.
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