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Ajuste seu foco: Celular. SMS. Facebook. Se sua atenção está perdida entre tantos estímulos, é hora de focar. Concentre-se no essencial.

 

Eu devia estar escrevendo a matéria de capa da vida simples, mas estou pensando em Joyce. O escritor irlandês James Joyce e a técnica do fluxo de consciência. Que consiste em ir anotando os pensamentos conforme eles ocorrem. Dizem que funcionou para ele, o fluxo de consciência. Fico pensando se ele achava difícil focar. Afinal, falar em focar é fácil. Certamente, um texto produzido com essa técnica não é muito focado, objetivo. Joyce, Proust, Kerouac: um monte de pessoas usou esse recurso na literatura, mas seu uso no jornalismo é visto com ceticismo. Dizem os manuais que o jornalismo é lugar de objetividade. Não de devaneios. Mas, na prática, a coisa é mais complicada. As enrolações no primeiro parágrafo de um texto costumam ser chamados de "nariz de cera". De onde vem esse termo, "nariz de cera"? Ninguém nunca explicou, na faculdade. Fiz faculdade em Santa Catarina. Tínhamos um professor incrível, odiado e reverenciado na mesma medida, que talvez pegasse esse texto e rasgasse em pedacinhos. O nome dele é Scotto. Pois eu tenho um Scotto interno, que fica soprando no meu ombro: esse texto tá um horror! Olho para a mesa, o computador, agenda, caderninhos, livros, post-its de vários tamanhos, canetas que funcionam e que não funcionam. Não consigo escrever. A cada minuto, são milhares de estímulos disputando atenção: dezenas de e-mails, comentários no Facebook, fotos legais no Instagram. Está chovendo lá fora, e ainda não sei como, ou quando, irei embora. São 20h06, os relatos são de que a cidade está alagada. Meu marido acabou de ligar no celular; ele está se preparando para a última aula do dia. O telefone sempre toca no exato momento em que a gente está, finalmente, se concentrando. Preciso entregar esta reportagem na segunda-feira; hoje é quinta à noite. Amanhã é meu aniversário. "E quem quer saber do seu aniversário, baixinha?", diz o Scotto interno. Realmente, quem se importa? Esta é a vigésima tentativa de escrever a reportagem de capa da vida simples. Acho tudo ruim, reciclado. Mas é preciso superar a crise e o pânico e escrever. E, quanto mais escrevo, maior fica o nariz de cera, que continuo sem saber o que significa. Talvez eu deva procurar no Google. Outra distração. Estamos perdidos em um mar de informações e estímulos, e muitas vezes acabamos dispersando nossa energia em coisas pouco importantes. As pessoas tentam me ajudar: foco, Jeanne, foco! Mas sei que é difícil lutar. De certa maneira, fomos programados para isso: parte do nosso cérebro prefere a gratificação imediata, que é o que os comentários na internet fornecem, por exemplo - a cada "curtir", uma descarga de dopamina, hormônio ligado ao prazer, inunda nosso sistema nervoso. A reportagem é justamente sobre foco. Palavrinha sem graça. Meu problema é conceitual e metalinguístico. Isso não é, porém, uma sentença de fracasso. Li quatro livros sobre o assunto. E sei. É possível vencer a batalha contra as distrações e aprender a focar. Para isso, são necessárias, basicamente, duas coisas: 1) definir o que é essencial; 2) eliminar todo o resto. Eliminar as distrações; limpar as coisas desnecessárias da vida - e do texto, como este longo parágrafo. Pensei em fazer exatamente isto: deixar apenas as quatro letrinhas - f o c o - e as outras páginas em branco. Mas não podia. Então faço o contrário. Coloco todos os supérfluos. Para marcar. Que nada disso importa. E que o importante é deixar apenas o essencial. Assim, fazendo menos coisas, seremos capazes de produzir muito mais. Eu sei, é mais fácil falar do que fazer. Mas faz um ano que eu leio coisas sobre isso, consegui descobrir alguns truques. Vou contar pra vocês. Vamos lá. Veja como.

 

 

Como manter o foco na era da distração: dicas práticas

 

Saiba aonde quer chegar. Se ainda não sabe, descubra.

Se você não tem objetivos claros, é difícil criar as condições para que eles aconteçam. E aí você começa mil projetos, mas não termina nenhum. Ou então nem começa nada, pois nada o empolga. "Quando não temos foco, andamos na correria sem saber mais para onde estamos indo, nem por quê", diz a filósofa Dulce Magalhães em seu livro O Foco Define a Sorte (Ed. Integrare). "Saímos fazendo mil coisas e esquecemos o que é essencial." Tenho uma amiga que passou por isso. Cuidava de mais cinco blogs, participava de grupos de discussão na internet, organizava projetos, cozinhava comida saudável e ainda tentava se concentrar no mestrado. A dissertação só andou quando ela reconheceu que essa era sua prioridade e que precisava de foco para terminá-la. Diminuiu pela metade os projetos e se concentrou em escrever. Deu certo. Se você não sabe aonde quer chegar, descubra. Faça terapia, tente se lembrar das coisas que o emocionam, que o fazem mais feliz. E tente se aproximar um pouco mais dessas coisas.

 

A cola da atenção é o interesse. Faça o que gosta.

"Seja lá quem formos, há sempre grande probabilidade de adiarmos aquilo que consideramos ser um porre total", diz Piers Steel, autor do livro A Equação de Deixar para Depois (Ed. Best Seller). Se algo é chato, a mente se desliga do trabalho. No fim das contas, concentração é uma questão de escolha: onde iremos depositar nossa atenção? Nesse processo de tomada de decisão, dois sistemas entram em ação: o córtex pré-fontal, que tem função executiva e faz as decisões de longo prazo, e o sistema límbico, que age com base no impulso, na emoção. O sistema límbico torna mais difícil fazer dieta, por exemplo, pois quer a gratificação imediata. Daí que esse sistema prefere emoções fortes: fazer qualquer tarefa que desperte seu interesse é muito mais fácil que realizar algo chato. Então é hora de se perguntar: estou fazendo o que eu gostaria? Se não, será que tem alguma maneira de eu me aproximar um pouco mais das minhas preferências?

 

 

Se precisa fazer algo chato, dê um jeito de se divertir.

Nem mesmo um rockstar vive apenas de shows e glamour: é preciso pegar fila em aeroporto, passar horas em ônibus, dar entrevista, autógrafos... Mesmo que você goste de seu trabalho, sempre tem alguma parte da rotina que é maçante. E aí não tem jeito: tem que tornar aquilo interessante. Como? Transforme em uma brincadeira. Tente fazer aquele relatório mala em menos tempo, ou se dê um prêmio a cada vez que cortar três tarefas da lista, por exemplo. A transformação da vida em um jogo é uma estratégia chamada "gamification", que ajuda a tornar qualquer coisa mais empolgante. Se não funcionar, cole um post-it com a frase: "esta tarefa NÃO vai ficar menos chata daqui a duas horas". Portanto, faça logo e livre-se dela. "Não é o mundo que muda, é o nosso olhar sobre ele que precisa se transformar", diz a filósofa Dulce Magalhães. Sabe a história de olhar o copo como metade cheio ou metade vazio? Pois é.

Como disse o arquiteto Mies Van Der Rohe, menos é mais.

"Fazer um grande número de tarefas não significa realizar muitas coisas", diz Leo Babauta, autor do livro Quanto Menos, Melhor (Ed. Sextante). De que adianta ter 20 blogs se nenhum é atualizado direito, começar 20 bandas que nunca ensaiam ou se matricular no pilates, na ioga e na natação e nunca conseguir ir a nenhum deles? Leo Babauta sugere que, para uma mudança efetiva, devemos começar aos poucos, uma meta mais ampla de cada vez, e três ou quatro projetos no máximo. Só passe para o próximo projeto assim que completar os que já começou. Da mesma forma, sua lista de tarefas deve ser enxuta: que tal colocar apenas as três coisas mais importantes do dia, e não enchê-la de coisas que não são prioridades? "Escolha realizar aquilo que tem mais impacto", diz Babauta. Ou seja: as coisas mais gratificantes, que trarão reconhecimento duradouro, desenvolverão sua carreira, transformarão sua vida pessoal. Comece revisando aquela longa lista de resoluções para 2013. Escolha um objetivo principal e dois secundários e foque neles.

 

 

Faça uma coisa de cada vez.

"Quando estiver comendo, apenas coma", diz Leo Babauta. Faz sentido. Muito se fala em multitasking, em ser multifunções. No mundo em que vivemos, ter várias habilidades é mesmo desejável. O que ninguém fala é que não é possível fazer várias coisas ao mesmo tempo. O que fazemos, na verdade, é trocar rapidamente de uma para outra. Se você está escrevendo um texto, por exemplo, e para a fim de atender o telefone, o cérebro leva até 20 minutos para se concentrar novamente. Segundo o artigo Your Brain and Multitasking ("Seu cérebro e a multitarefa", em inglês) da StartupNation, pessoas multifunções levam 50% mais tempo para concluir uma tarefa e estão 50% mais propensas a erros. O ideal, então, é ser monotasking. E fazer uma delas de cada vez. Um método ótimo para ajudar nisso é o Pomodoro, que ganha cada vez mais adeptos. Veja como funciona na página 40.

 

 

Limite suas distrações.

Já falamos que uma parte do seu cérebro é imediatista e gosta de gratificações imediatas, como receber comentários na internet. Por sorte, nascemos também com um instrumento capaz de driblar essa tendência - nosso "planejador" mental, o córtex pré-frontal. Alguns truques simples podem ajudar nisso e revolucionar sua rotina. Leo Babauta recomenda alguns: desligue as notificações de mensagens; determine um horário fixo para checar e-mails e entrar nas redes sociais (duas ou três vezes ao dia, conforme a sua necessidade). Se você for do tipo viciado, lance mão de programas que bloqueiam sites específicos por um período de tempo, como o Chrome Nanny e o Self Control. "É improvável que qualquer projeto de longo prazo receba a atenção que merece se todo mundo está ocupado respondendo e-mails", escrevem Thomas Davenport e John Beck no livro The Attention Economy ("A economia da atenção", sem tradução no Brasil). Os dois lembram que a atenção é um recurso não renovável, extremamente valioso e fundamental para os negócios nos dias de hoje. Você não vai querer desperdiçar a sua.

Crie rituais que tornem seu dia menos estressante.

Imagine sua mesa lotada de papéis, em que tudo é difícil de achar, com o telefone tocando o tempo todo. Não é nada fácil se concentrar nesse ambiente, certo? Pois acostume-se a criar um ambiente propício para a concentração. Estabeleça rituais que tornem sua manhã tranquila, como tomar café com calma, caminhar, meditar. Descanse a mente. E, principalmente, não abra e-mails assim que acordar. Faz uma diferença danada na vida. Ao começar a trabalhar, limpe o ambiente: crie o hábito de sempre organizar a mesa antes de pegar no batente. "Reserve suas horas de maior desempenho para as tarefas mais difíceis", diz o especialista em motivação Piers Steel. À noite, relaxe. Leia um livro, jante sem pressa, ouça música.

 

 

Aumente os momentos gratificantes em sua vida.

O psicólogo e pesquisador húngaro Mihaly Csikszentmihalyi estuda felicidade e criatividade. E o foco (ops) de boa parte de seu trabalho é o chamado estado de "flow", ou "fluxo". São aqueles momentos em que estamos tão absorvidos com uma tarefa que perdemos a noção do tempo. É como o desenhista concentrado ou uma criança brincando. Nesses momentos, parece que tudo flui. O foco é no momento presente: não existe passado nem futuro. Não há espaço nem mesmo para a felicidade, pois a pessoa está totalmente absorta. O bem-estar vem depois de concluída a atividade, quando surge uma sensação de gratificação imensa. No estado de flow, somos criativos, produtivos e temos atenção totalmente concentrada. Como atingir esse estado de fluxo mais vezes? Procurando tarefas de que gostamos e adequadas à nossa habilidade: nem difíceis nem fáceis demais.

 

 

Medite. Faça exercícios.

O que é o foco, afinal? Uma das respostas tem a ver com a ideia de estar inteiramente presentes. "Estamos sempre fazendo planos para o futuro ou pensando no que passou", escreve a filósofa Dulce Magalhães. "Talvez nosso maior desafio seja acordar para o instante e colocar nosso foco no agora." Diversas filosofias, como o budismo, falam da importância de estar presente em cada ato. A técnica mais usada para melhorar essa capacidade é a meditação. Os benefícios dela são inúmeros, comprovados por diversas pesquisas científicas. Não é fácil manter o foco no instante: mesmo imóveis, em posição de lótus, a cabeça segue em mil direções (como no texto que abre esta reportagem, na página 36). A meditação ajuda a perceber essa instabilidade interna e, com o tempo, torna mais fácil estar disponível para o que vier. Já os exercícios físicos são formas de renovar nosso estoque de energia: um corpo forte e saudável tem mais "gás" para atender às diversas demandas da vida. Terapias corporais, como massagem e tai chi chuan, também ajudam a manter os pés no chão e os olhos no agora.

 

Tomates para o foco

 

O método Pomodoro ajudou milhares de pessoas a se concentrar e fazer uma coisa de cada vez. Veja como funciona

 

1. Use um cronômetro para marcar o tempo. Pode ser um desses de cozinha ou um site específico, como e.ggtimer.com/pomodoro.

2. Marque 25 minutos no timer e dedique-os ao trabalho.Concentre-se em uma tarefa de cada vez, começando pelas mais importantes. Assim que terminar, risque a tarefa da sua lista.

3. Depois do pomodoro de trabalho, faça um intervalo de 5 minutos para o descanso.

4. Aproveite para se alongar, beber água, relaxar.

5. A cada 4 ou 5 pomodoros, faça um intervalo maior.

 

Para saber mais

 

Quanto Menos, Melhor - Concentre-se no Essencial e Livre-se do Estresse, Leo Babauta, Ed. Sextante

A Equação de Deixar para Depois, Piers Steel, Ed. Best Seller

O Foco Define a Sorte, Dulce Magalhães, Ed. Integrare

The Attention Economy, Thomas H. Davenport e John C. Beck, Harvard Business School Press

The Pomodoro Technique, pomodorotechnique.com

 

FONTE: Jeanne Callegari para Revista Vida Simples

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