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Ousar é preciso: A ousadia move o mundo

Por Marli Gonçalves*
 
Navegar também é preciso, principalmente em tempos internéticos. Ser audaz significa muito para mim. Também podem me chamar de atrevida. Vou gostar.

Há algumas semanas a palavra Ousadia, ouvida de uma boca e com uma voz que amo muito, está na minha cabeça. Linda palavra, de lindos significados. Gosto demais de tudo que quer dizer movimento, andar para frente, criar, fazer, acontecer. Ousadia é tudo isso e muito mais, sempre acima do que é permitido até aquele momento. Ultrapassou, ousou. Pode ser uma transgressão, mas sempre feita com muita racionalidade.

Ousar requer decisão, coragem, vontade, desejo. Para ousar é preciso aprender, enfrentar, e muitas vezes desafiar o estabelecido, o comum. Quem ousa, arrisca o tudo ou nada, certamente sempre na busca dessa tal felicidade. Ousar é mais humano do que animal, que aprende atavicamente. Para ousar é preciso pensar e raciocinar. Coisa de gente.

Ousar é preciso. De precisão de movimentos, já que sempre é a busca de uma realização. Ninguém ousa de bobeira, mesmo que assim lhe pareça. E há, sim, a relação com o navegar precisamente em águas que podem não ser tão estáticas. É dos navegadores antigos a frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Teria sido dita primeiro por Pompeu, general romano, aos marinheiros amedrontados que se recusavam a viajar durante e para a guerra. Horácio começou a imortalizá-la, e finalmente, Fernando Pessoa, a trazê-la para nós em nosso tempo:

"...Quero para mim o espírito [d] esta frase, transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo..."

É isso. Irmã da audácia, a ousadia move o mundo. Como explicar as descobertas, o nascimento de líderes? E como são ousadas, entre tantas, as mulheres, as baixinhas, especialmente! Os esportistas radicais que nos mostram os limites do corpo! Os poetas, que ultrapassam todos os limites! Os gênios que pasmam o mundo. Os artistas que lhe dão as formas reais, na arte e na moda. Ousadias são quase sempre visíveis.

Mas ousar não é coisa para meros exibicionistas, nem para amadores. Homens diriam, alguns grosseiramente, que é necessário ter culhões, como resumo de coragem e firmeza. Mulheres diriam bom gosto, refinamento, propósito. A ousadia aumenta com o amadurecimento que nos dá a segurança, embora também em muitos casos o próprio amadurecimento também nos apresente ao temor e ao medo. Daí, quando pessoas mais velhas ousam, atenção, que a coisa é mais séria, libertária, e objetiva. Sai da frente.

Tenho pensado muito sobre isso, ousadia, desde que ouvi o som da palavra, dita como contei, numa ocasião muito especial. Ali, naquela hora, apenas sorri. Mas algo dentro de mim havia se emocionado, e porque eu também fazia parte importante daquela audácia citada, explícita, um momento fugaz. Podemos ousar sozinhos, ou acompanhados.

Em se falando de ousadia, pensei de novo nesta semana, ao assistir ao show de Marília Gabriela (dia 17), a quem admiro de forma particular. Em "Incoerente", ela cantou, cantou, cantou - "Cantei, cantei, nem sei como eu cantava assim... Só sei que todo o cabaré/ me aplaudiu de pé/ Quando cheguei ao fim", como em Bastidores, do Chico. Jornalista, atriz, apresentadora e entrevistadora de mão cheia, ela ousa também cantar. E vai à luta. A impressão que se tem é de que, já que estava na chuva, não teve medo algum de se molhar. No repertório, clássicos cantados com redobrada personalidade; canções românticas apresentadas com um tesão provocante; e o orgulho de ser quem é, sempre mutante. No texto, pitadas de humor e algumas rev erências e referências, como a Tom Jobim, Caetano e Gil, esses que até compuseram especialmente para ela, há muitos e muitos anos, e ela tirou do bauzinho, de onde revela muito do fascínio que exerce sobe os homens. No corpo sexagenário perfeito, ereto, ativo, inventou também uma reboladinha de quadril genial. Uma para o rock, outra para o blues, e uma insinuada e sinuosa onda na bossa nova.

Na plateia estrelada, bocas abertas. Algumas muito poucas para falar mal, hábito social, entre dentes. Ali, em um ambiente pequeno, as estrelas usaram as mãos mais para aplaudir, certamente invejosas de tanta maleabilidade. Reis da bola, do pé e da perna como Pelé e Ronaldo. Reis da tevê, como Boni. Reis do jornalismo, das artes, da fotografia. De fome, Gabi não morre. Se canta, dança, sapateia, representa, escreve, fala, pensa... sempre há de ter o que fazer bem. Isso é o que merece consideração. Que todos se mordam de inveja dos seus lindos amores, dos programas em três emissoras distintas, de sua família, de sua coragem! Chama-se ousadia. Qual será a próxima, Lady Macbeth?

Foi assim que resolvi finalmente tocar neste assunto, na palavra que tanto quer dizer e tanto me disse. É do que precisamos, para fugir da mesmice, do monótono, da rotina. Se navegar é preciso, viver é preciso, ousar é preciso. E se Fernando Pessoa tinha razão em dizer que "tudo é ousado para quem a nada se atreve", quero começar apenas a achar que elas, as ousadias, devem ser liberadas.

Dá até slogan. Ousadia: use e abuse.

(*) Marli Gonçalves é jornalista. Contato: [email protected] * [email protected]. Artigo publicado originalmente em www.brickmann.com.br e http://marligo.wordpress.com.
 

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